domingo, 25 de julho de 2021

Meus sentimentos

Estavam na praia quando telefone tocou. Veio a primeira mensagem, ignorada com sucesso. Duas, três e logo uma quarta. Olhou o celular e, com uma interrupção na respiração, falou para a namorada: "meu pai morreu".

Atônicos, no meio daquele cenário paradisíaco, com areia entre os dedos, o pai morreu.

Para os bons fiéis, não existe dia feio para a morte. Quando está chovendo é porque os céus estão tristes, e quando está sol é porque os céus estão em festa com as boas vindas da alma. No entanto, aquela pequena lua de mel de início de namoro não encaixava em nenhuma das descrições acima.

E o pai já morto.

Levantaram e voltaram para capital, sem trocar palavras no carro. Não havia o que dizer, o relacionamento era novo, nunca apresentaram a família antes e agora havia um evento. Evento daqueles que parentes viajam para comparecer, que acabam sendo mais importantes de casamentos. Porque a dor une as pessoas.

E a namorada no carro, muito quieta, solta apenas uma pergunta: “Você quer que eu vá?”.

Aquele silêncio voltou, já era possível ouvir o vento passando pelas frestas das janelas, a tensão aumentando e:

“Não precisa, já estão todos consolados em casa e eu estou bem”

Agora quem jazia morta no banco do carona era a namorada. Médico ele não era, mas com certeza sabia onde ficava o coração quando disparou a flecha em direção a ele. A namorada, com os olhos regalados, perguntou mais uma vez. O namorado, com as sobrancelhas franzidas, repetiu a resposta com ênfase.

Chegaram na capital, ela subiu pra Serra e ele foi se encontrar com a família. Mesmo assim, mil ideias passavam pela cabeça dela. Será que não queria apresentar a família? Será que não era suficiente? Será que tinha vergonha?

Ligou.

Ligou mais uma vez.

Na segunda ele atendeu, já interrompendo a conversa que nem tinha se iniciado dizendo que todos estavam consolados e ele estava bem. “Não precisa vir, é longe, perigoso e estou bem”, disse ele.

Bem...

Ecoava no ouvido dela, mas bem a situação não estava. Ela ficou batendo os dedos na mesa como se cada batida fosse uma martelada. Ela não era uma boa namorada. Que tipo de namorada não vai ao enterro do sogro? Sogro este que não tinha conhecido, mas agora era a última chance!

Ligou para uma, duas amigas para se aconselhar. No fundo queria ouvir o que já tinha decidido, apenas esperando um apoio moral para não ter que arcar com as consequências das suas ações sozinha, mesmo que fosse só na cabeça dela. Pegou o celular, as chaves, escreveu o endereço do cemitério e foi.

Aqui jaz a consciência.

No fundo a namorada é a protagonista dessa crônica. A praia, o enterro, o descaso do namorado, as amigas ao telefone se resumem a ela.

Aos sentimentos dela.

E o pai? 

Morreu.

E ela?

Com segurança chegará ao cemitério e dirá as clássicas palavras ‘meus sentimentos’. Só que no fundo, os sentimentos que importam para ela são só os dela mesma.


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Saudade invernal

                   Hoje eu senti algo que nunca havia sentido com tanta certeza. Meu namorado viajou, foi lá para os parques do norte e a cidade com a mais importante bolsa de valores do mundo. Não que ele vá ganhar muito dinheiro com ações, acho que ele já ganhou meu coração com as deles. Acho não, tenho certeza.
                Quando o abracei antes dele entrar no carro eu senti vontade de chorar, ainda sinto, mas as lágrimas não querem descer. Elas podem estar contrariando as leis da gravidade pelo simples motivo de que nada vai acontecer, que eu preciso permanecer calma, firme e forte.
                Como fazer isso? O aperto só aumenta, aquele no peito que parece que vai puxando sua alma lentamente para um buraco negro. Eu senti, pela primeira vez, o que chamam de amor. Não amor de mãe, de pai, tia, irmão. É um amor diferente, um amor de perdas e ganhos, um amor imprevisível, que não sabemos se ele estará lá no raiar do outro dia.

                Eu soube o quanto eu o amo, e olha que é muito. E já no final dessa crônica minhas lágrimas concordaram em cair. Não cair por desistência, mas para aliviar a saudade aqui. Essa que é grande mesmo ele nem estando ainda no ar, esta que prova o quanto eu o amo e o quanto ele importa.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Sertão involuntário

" Quando eu parei de contar sobre as minhas lágrimas, meu coração secou. Secou por excesso de lamúrias não compartilhadas, que afundaram os sentimentos e ecoaram até a última gota, para deixar o meu coração um sertão."

terça-feira, 23 de abril de 2013

Dois lados

Todos os dias escolhemos lados: qual lado de uma discussão, qual lado da calçada, qual lada da política, qual lado da sala, qual lado da cama, qual lado da guitarra, quais lados de tudo que tem dois lados. No final, pra mim tanto faz em qual lado estou de você, contando que segure minha mão, tanto faz o direito quanto o esquerdo se tornam um tanto atraentes.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Minhas eternas vírgulas


       Eu vivo de vírgulas, exclamações e pontos finais. É basicamente disso que preciso para viver, são as palavras que fazem a diferença, mas é a entonação que muda o sentimento. É o jeito de cantar e o jeito de cantarolar, saiba que são formas diferentes para momentos diferentes, que dizem quem é você. Eu ando muito feliz por esses dias. Felicidade essa dedicada não só ao meu amor, mas as vírgulas e pausas que ele faz para me agradar. Não é só a voz rouca que me faz bem, é o conjunto todo.
       São os olhos, a boca, as mãos, o jeito de não sorrir, tudo me entorna, tudo me transborda. E é uma sensação tão boa, é um derrame tão espalhado que nem eu sei muito bem como explicar. E as vírgulas tomam outro significado, elas não são mais o principal ponto. São longas pausas, longos minutos respirando e encarando, vendo os olhos virarem estrelas e as mãos cordas, que me seguram.
       Transborde, amor.
       Deixe fluir tudo o que está aí dentro, é tão bonito. Transborde os dias felizes, as memórias agradáveis, os abraços de urso, as palavras delicadas. Que saia pela boca, olhos, poros; mas que saia. Felizes são aqueles que se sentem bem pela felicidade do outro.
       Transborde amor.
       É como uma grande teia, tudo está conectado, todos sentem. Isso que é especial no amor, ele não tem barreiras, ele se molda de acordo com a pessoa e passa adiante, nunca fica preso. Nunca está em um só lugar, ele está em todos. Onipresente. Ele se move no sorriso, no toque, no olhar, até no silêncio. Não é difícil perceber quando alguém transborda amor, e eu não sei explicar, só se percebe. Não são necessárias palavras, pontos, vírgulas.
Eu vivo de vírgulas, pausas, admirações. Miragens reais, dias irreais. Faz diferença na minha vida, eu amo isso. Eu amo transbordar e perceber que outros também o fazem. Eu me sinto tão normal, mas ao mesmo tempo surreal. Novamente eu não consigo explicar claramente como isso age em mim, em nós. As pausas são o ponto. Nelas que conseguimos ver a beleza do momento, do sentimento. Entender, nem que seja só um pouco, esse nosso universo louco. E são elas que mudam frases e sentidos com as suas vírgulas. São elas que moldam grandes declarações e sentenças significativas.
       Transborde, amor. Transborde amor.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Trincas

        Eles me chamam de desastre, porque eu abalo tudo. Abalo terras, corações, sorrisos, multidões. É a simples arte de se ter presença e fazer um bom uso dela. Eis que para eles não é assim. Sou mais um terremoto do que uma chuva de verão. 
        Triste são aqueles que só chovem, não abalam. Estes não trincam chãos, não pulam dos abismos por receio do fundo, não trocam olhares por medo do inseguro. Eu tenho pena deles, não tenham pena de mim.
                        Eu sou o desastre natural que veio te por no eixo. Às vezes é necessário um empurrão, um sorriso, uma mão.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Ousada escuridão



                É uma mistura de admiração e pavor, e eu tenho dito a mim mesma que não tomarei desta bebida. Eis que você me entorna e me consome, e juntando todos os nossos fluidos eu sei que isso vai dar uma baita mutação.
                Alguém me disse que os mais fortes sobrevivem, e que a genética muda para nos adaptarmos ao nosso meio. É por isso que nos misturamos, modificamo-nos? Para eu caber no seu meio e você no meu?
                E dentro da água, nesta imensidão eu vejo você. Eu vejo os seus olhos, essa mistura de admiração e pavor. É uma mistura escura, e é isso o que significa o seu nome. Escuro. E eu vou caindo nesta escuridão, nesta mutação, neste meio.
                Chame do que quiser, chame do que for mais propicio. Porque alguém, um dia, disse-me que desenhar acalma, e desde então eu tenho desenhado o futuro. Essa mistura louca de eu e você, que eu tanto quero e tanto adio.
                Vai ver que gritar ou agarrar um braço só pra sentir a presença seja algo comum, só pra chamar um nome e ouvir o seu de volta. Isso não é bom? Alguém saber o seu nome, e mais do que isso, gostar de dizê-lo.
                E eu vou juntando nossas águas e nossas lágrimas, pra ver se nesta imensidão de mar o único nome que ecoa são os nossos.