Estavam na praia quando telefone tocou. Veio a primeira mensagem, ignorada com sucesso. Duas, três e logo uma quarta. Olhou o celular e, com uma interrupção na respiração, falou para a namorada: "meu pai morreu".
Atônicos, no meio daquele cenário paradisíaco, com areia entre os dedos, o pai morreu.
Para os bons fiéis, não existe dia feio para a morte. Quando está chovendo é porque os céus estão tristes, e quando está sol é porque os céus estão em festa com as boas vindas da alma. No entanto, aquela pequena lua de mel de início de namoro não encaixava em nenhuma das descrições acima.
E o pai já morto.
Levantaram e voltaram para capital, sem trocar palavras no carro. Não havia o que dizer, o relacionamento era novo, nunca apresentaram a família antes e agora havia um evento. Evento daqueles que parentes viajam para comparecer, que acabam sendo mais importantes de casamentos. Porque a dor une as pessoas.
E a namorada no carro, muito quieta, solta apenas uma pergunta: “Você quer que eu vá?”.
Aquele silêncio voltou, já era possível ouvir o vento passando pelas frestas das janelas, a tensão aumentando e:
“Não precisa, já estão todos consolados em casa e eu estou bem”
Agora quem jazia morta no banco do carona era a namorada. Médico ele não era, mas com certeza sabia onde ficava o coração quando disparou a flecha em direção a ele. A namorada, com os olhos regalados, perguntou mais uma vez. O namorado, com as sobrancelhas franzidas, repetiu a resposta com ênfase.
Chegaram na capital, ela subiu pra Serra e ele foi se encontrar com a família. Mesmo assim, mil ideias passavam pela cabeça dela. Será que não queria apresentar a família? Será que não era suficiente? Será que tinha vergonha?
Ligou.
Ligou mais uma vez.
Na segunda ele atendeu, já interrompendo a conversa que nem tinha se iniciado dizendo que todos estavam consolados e ele estava bem. “Não precisa vir, é longe, perigoso e estou bem”, disse ele.
Bem...
Ecoava no ouvido dela, mas bem a situação não estava. Ela ficou batendo os dedos na mesa como se cada batida fosse uma martelada. Ela não era uma boa namorada. Que tipo de namorada não vai ao enterro do sogro? Sogro este que não tinha conhecido, mas agora era a última chance!
Ligou para uma, duas amigas para se aconselhar. No fundo queria ouvir o que já tinha decidido, apenas esperando um apoio moral para não ter que arcar com as consequências das suas ações sozinha, mesmo que fosse só na cabeça dela. Pegou o celular, as chaves, escreveu o endereço do cemitério e foi.
Aqui jaz a consciência.
No fundo a namorada é a protagonista dessa crônica. A praia, o enterro, o descaso do namorado, as amigas ao telefone se resumem a ela.
Aos sentimentos dela.
E o pai?
Morreu.
E ela?
Com segurança chegará ao cemitério e dirá as clássicas palavras ‘meus sentimentos’. Só que no fundo, os sentimentos que importam para ela são só os dela mesma.