Na
minha casa não tinha telefone fixo e nem móvel, as crianças passavam o dia
conversando na rua, os adultos trabalhavam e se viam ao anoitecer, os idosos
sentavam-se na frente de suas casas com seus rádios de pilha e volte e meia se
entreolhavam, como se soubessem segredos íntimos dos vizinhos, e sabiam. Os
adolescentes eram uma mistura de tudo isso, eu era um deles.
Não
saia de casa se não houvesse um bom motivo, e na busca deste passava longos
minutos espiando a rua da janela, na esperança de alguma menina bonita e
conhecida passar. Quando isso acontecia eu descia as escadas e aparecia na
porta como uma grande coincidência. E nesses momentos passava horas a fio
conversando sobre o que hoje é banal. Outras vezes eu ia à padaria, ao
jornaleiro, lugares simples que eu buscava o que necessitava em casa e ainda
via as beldades na rua. E tinham aquelas que eu tomava coragem de ligar.
Perto da
minha casa existia um telefone público, não como esses orelhões de hoje em dia,
eram cabines grandes na minha concepção, e nunca havia fila. A primeira ligação
que fiz foi dali. Digitei um número qualquer que veio a minha cabeça e uma voz
feminina atendeu do outro lado. Falamo-nos pouco, ela ficou confusa e acabou
desligando o telefone. E eu só ouvia o tu-tu do final da ligação. Não foi uma
das melhores, mas todos os dias eu ligava na mesma hora, e a mesma voz atendia.
O nome
dela era Flávia, trabalhava na confeitaria do seu pai, pelo que me contou, e a
cabine encontrava-se na frente do estabelecimento. Era gentil, da minha idade.
Pensava na sorte de ligar para um número distante e logo uma menina atender, e
uma menina que gostava de conversar comigo.
Eu não
me lembrei de perguntar qual era a sua daquela cabine, nossas conversas eram
tão boas que tinha até medo de vê-la pessoalmente. Arrependo-me até hoje por
este ato, poderíamos ter sido namorados, casar-nos e assistir nossos filhos
crescendo enquanto envelhecíamos juntos.
Eu me
mudei para Florianópolis com os meus pais, pude ouvir seu choro pelo telefone.
Ela disse que sentiria minha falta, e que pensaria em mim todos os dias. Eu me
fui, triste, mas fui.
Na
minha casa não tinha telefone fixo e nem móvel, hoje em dia tudo está
computadorizado que eu mal me lembrava de Flavia. Foi aí que tive a grande
ideia de um passeio até a minha casa antiga, já que eu havia voltado para o
Rio. Por mais incrível que pareça a cabine continuava lá, hoje pouco utilizada.
Digitei o mesmo número, agora acrescentando os dígitos novos na frente.
- Alô?
-
Flávia?
- Sou
eu, quem é?
- Igor.
A voz
se calou, e tudo que eu pude ouvir foi um suspiro seguido pela pergunta que eu
mais queria:
- Qual
o número do seu celular?
2 opiniões:
Awwn que lindo *-*
beijoos :*
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