sábado, 29 de dezembro de 2012

Anos quadrados

      Ela olhava fixamente para o quadro. Aquele mesmo quadro que gritava as dores recolhidas de dois anos atrás. Então, num súbito momento ela percebe que faz mais de um ano que ele está ali para lembrá-la de tudo o que ocorreu. Das dores, das alegrias, das premiações e das covardias. 
Ela olhava fixamente o quadro de boas vindas de dois anos, e agora eram três. Ela havia esquecido isso, mas nunca é tarde.

      Parabéns para mim por três anos com este blog. E que a vida agitada não me faça esquecer mais deste detalhes tão preciosos. Rumo aos quatro anos. 

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Proteger e arriscar


Olhos de inverno
Nascido no verão,
Arcanjo sonhador
Com outra função,

Função de confundir
Conflitantes pensamentos,
De esconder e observar
Cada simples movimento,

E sobe e desce
Constante gangorra,
Que dor de cabeça
Que não seja à toa.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Queda curta


    E por quantas vezes eu tentei entender o que se passa na sua cabeça, no seu coração. Há muito mais para ser revelado, ou talvez não. Eu só queria saber, queria que você me contasse sem este olhar perdido de sempre. Que os seus olhos caídos parassem de me fazer cair em você, porque é isso o que tem ocorrido nestes dias. Eu tenho me deixado levar pela maré, e eu prometi a mim mesma que tiraria este sentimento de mim. É difícil, mais difícil do que nadar contra a correnteza. Não sei quando chegarei ao outro lado da margem, mas que estou no caminho isso eu sei.
    E que os seus olhos caídos parem de me fazer cair, porque eu já não aguento me levantar novamente.

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Outro texto que estava perdido.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Olhos caídos


     E se eu não por o acento, você reclamará? É assim que você tem agido nestes dias, sempre me rondando, colocando acentos em consoantes. E se eu esquecer de piscar na hora certa, se é que existe? 
      Não me force a piscar, não me force a pensar, não me force a te amar. Amor é quando se quer estar perto, quando a pessoa te faz bem e vice-versa, é quando você não vê o seu dia feliz sem o olhar dele, é quando o sorriso dele te faz sentir a melhor pessoa do mundo.
      São aqueles olhos caídos que me fazem cair de mim. Não me obrigue a te amar, porque meu coração, inevitavelmente, é de outro.

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Texto perdido aqui no pc há tempos.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Vento de perfume

      Às vezes eu minto que quero ficar só, mas o que eu mais quero é estar perto. Eu me isolo no bosque esperando que outro isolado apareça, e que tenhamos algo em comum para falar, além da solidão. Eu estou perdida, e ouço uma música que cantei ontem. Ela vem do outro lado do bosque, o vento traz a melodia, o violão acompanha as vozes. Eu levanto meus olhos do papel para ver se encontro alguém conhecido, e a música para. Ouço pássaros, o barulho da fonte, vozes ao longe, mas desconhecidas. Acho que isso é bom, escutar o silêncio acalma, a rotina te deixa cansada quando perde o encanto das primeiras vezes.
      Talvez eu esteja esperando alguém me resgatar, um amigo, um professor, um gato. Por aqui há vários deles, brancos, pretos, malhados, listrados, marrons e ruivos. Não sou muito de gatos, eles não são tão companheiros. Acho que é por isso que estou rodeada de gatos, pessoas não falsas, mas supérfluas.
      O sol já bate em mim e ninguém apareceu, eu me sinto bem, não só. O cheiro do meu perfume já entrou em mim, e agora não há jeito de sair. E eu espero não ser como o perfume, porque neste instante eu me levanto e vou. Vamos espalhar este perfume por aí.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Anymore


                Eu tenho um pouco de medo em ser, e mais ainda em não ser. Não ser a melhor amiga, a mais inteligente, a mais bonita, a mais simpática, a mais moderna, a mais feminina. Ser eu mesma. É que eu já me perdi muitas vezes, tentei me adequar demais e não sei onde fica o botão de reset. Eu não me conheço mais como aquela garota solitária do ensino fundamental, talvez eu tenha dado um giro muito grande. Eu tenho medo de já ter sido. Ter sido melhor para os outros, para mim mesma. Sim, eu penso muito nos outros por medo da minha imagem e reputação, eu carrego as duas. Não, ninguém liga para isso, só eu mesma. Tem dias que eu quero entrar em um buraco e não sair de lá, tem dias que eu quero falar com gente nova, tem dias que eu só quero chorar, e tem dias que, bem, eu ando lentamente para ver se o dia passa mais rápido. Existem dois tipos de pessoas: eu e os outros. Os outros têm me estragado bastante, principalmente aqueles mais perto que eu finjo aguentar. Já eliminei alguns, mas a sábia frase diz tudo: “Sempre há uma pessoa querendo melhorar o seu dia, e outras cinco querendo te foder”. Não, não são cinco. São mais de dez, são trinta, não, sete bilhões de pessoas com o mesmo pensamento: “Vamos andar para aquele lado e ver se o mundo inclina, vai que a Fernanda se desequilibra e cai”. E tem aquelas pessoas mais perto de mim que eu tanto gosto, mas que só falam de uma coisa e só pensam em uma coisa. Esse tal de amor tem me custado muito caro, e nem é uma felicidade própria. O amor tira de mim e dá aos outros. Tira o meu tempo, minha paciência, meu ego, meu orgulho, meu sorriso. Estou mal. Estou mal mesmo e ninguém percebe. Eu também não falo, não mostro. Tem vezes que eu convenço a mim mesma que quero ficar sozinha, mas isso é mentira. Então eu ando até um lugar cheio que eu não conheço ninguém e fico lá, parada. Eu, no fundo do meu coração, espero que alguém me ache, que alguém pare para falar comigo, e que seja alguém novo ou seminovo conhecido meu. Novos assuntos surgem e eu me esqueço dos meus problemas. A questão é que os problemas não são meus. São pessoas e mais pessoas querendo meu conselho, minha ajuda, meu cupidismo, meus trabalho, meu tempo. NÃO, EU NÃO QUERO TE DAR NADA. PARE DE LEVAR CONSIGO UMA PARTE DE MIM. Eu grito, mas ninguém me escuta. Talvez eu esteja gritando baixo demais, mas acho que o destino está sendo maldoso comigo. E não posso me esquecer de que há aqueles que acreditam em destino e se deixam levar pelo vento, tudo o que vier será culpa do destino. Eu sou um deles. Isso está muito errado, nós decidimos o nosso destino, nós fazemos escolhas, eu simplesmente escolhi ser levada pelo vento, pois fui vencida por cansaço. Estou cansada de correr atrás de amor, de paz. Cansada de correr atrás do que corre de mim. Eu só queria que as coisas fossem fáceis, que eu não tivesse que esconder o que eu sinto, que eu não tivesse que acompanhar as pessoas só para não magoá-las, que eu pudesse dizer não quando quero dizer não, que eu não tivesse que pensar antes de falar, porque eu adoro falar sem pensar, eu adoro dizer naturalmente tudo o que está dentro de mim e escutar o mesma da outra pessoa. Mas não, eu tenho que pensar para me adequar ao que ela quer, ao estereótipo que ela segue, para ser aceita. E SE EU GRITAR MAIS ALTO SERÁ QUE SATURNO ME ESCUTA? Será que Saturno ainda vive? Eu me questiono, seria um bom lugar para morar? Deslizando pelos anéis, mudando de cor a cada piscadela, tudo mais simples. É disso que eu sinto falta, do mundo simples. Nas amizades as pessoas falavam o que queriam, e se não gostassem a porta é serventia do mundo. O amor era cortês, se gostasse de alguém tentava conquistar. Hoje em dia é tudo uma grande ficada, são joguinhos de sedução, você não gosta mais de uma pessoa, mas faz uma lista com cinco. Não se esqueçam das metas e do tempo, hoje existe um cronômetro em cada relação baseado no tempo que demorou a conquistar, porque o mundo virou uma grande panela de arroz. Devo explicar que arroz é o termo que se usa para caracterizar um homem ou uma mulher que quer conquistar outra pessoa, mas usando o método da aproximação, do cafuné, de conversar sempre que pode, de acompanhar sempre que pode. Eu não sou arroz. Ainda bem. Mas puta que o pariu, desculpem-me o termo, mas o mundo está foda. Devo começar a falar mal agora porque pessoalmente isto soa muito estranho, mas que se foda esta merda, este caralho está me deixando puta da vida. Se eu me sinto melhor? Muito. Devo censurar isso quando editar? Acho que não! Eu só preciso desabafar mesmo, e como o meu melhor amigo não entende o que eu sinto e como a minha melhor amiga só pensa em pegação com adolescentes na puberdade da calourada, eu grito aqui mesmo. É tão difícil as pessoas gostarem de mim, mas gostarem mesmo? Gostar de pegar na minha mão e fazer um cafuné em mim? POR FAVOR, EU ADORO FAZER CAFUNÉ, MAS AS VEZES QUE PRECISO DE UM. Na verdade eu preciso muito de um, e é bem capaz de eu chorar no dia em que finalmente receber aquele cafuné que eu mereço. Tudo o que eu quero é que peguem na minha mão e entrelacem os dedos, que fique assim, em silêncio. Deixa o resto do mundo pensar o que quiser, eu só quero sentir alguma coisa, algum amor, alguma amizade, algum sentimento. Eu sou aquele tipo de pessoa que gosta do comum, do que tem afinidades, mas eu nunca vi gostar tanto do oposto, de quem mais me irrita. Eu detesto quando isso acontece. Mas nem sempre foi assim. Eu adoro ter afinidades com as pessoas, adoro conversar por muito tempo e aí surgir um sentimento. Então é tarde demais porque eu fui jogada para a friendzone (zona da amizade). Isto também me irrita, eu quero conversar com alguém, mas não posso me expressar direito, tem que parecer interessada e desinteressada para conquistar a pessoa. DANE-SE ESTE MÉTODO DE CONQUISTA. É por isso que eu não fico nessa pegação louca, eu nunca faço o jogo da conquista, eu sempre caio nele. E não é difícil me conquistar, é difícil me dar segurança e confiança de ir em frente e então fazer a magia acontecer. Se um dia você me conquistar, saiba que eu vou ficar aqui e você lá. Eu quase nunca dou o primeiro passo. Você tem que fazer algo, ir falar comigo. Lugares com árvores, cantinas, bancos, escada de incêndio, são lugares que eu sempre passo. Sei lá, isso não é para ser um manual de ‘Como conquistar a Fernanda em 10 passos’. Isto é um desabafo para dizer que eu estou cansada do destino me levar. Eu estou cansada de focar algo e não ir atrás. Então, para o meu coração e minha alma não sofrerem mais eu decidi que decidirei agora: eu escolho não fazer nada. Você aí do outro lado da tela ou do papel pode estar pensando: “Ué, mais isso não é a mesma coisa de deixar o destino te levar?”. Não, não é. Eu tenho um foco desta vez, um foco certíssimo. Ser feliz. E qual é o melhor jeito de ser feliz além de não se importar com a opinião alheia e ser você mesmo? E quem é a Fernanda? Eu não sei responder isso, mas acho que é bom assim. Eu não vou pensar no que direi, apenas farei o que sinto.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Dedos de água



                E como água ela escorre, desliza, esfria. Ela descia pelo braço dele, contornava as pintas, parava na dobra do cotovelo. Como água, como chuva, como o frio. Ela contornava o braço, o cabelo, os olhos. Era tudo tão quente, e ela tão gelada. Tinha dedos de água, mas um coração quente, ele sabia. Ele sentia. Sentia aqueles dedos escorrendo no braço, no pescoço, no rosto. E era como a chuva que caía, e ele adorava chuvas. Ele ainda gosta, das fortes e geladas. E como chuva eles amam cair, não em si mesmos, mas entre si.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Ampulheta revertida


      Você finge o abraço
      Eu finjo o sorriso,
      É uma falsidade
      Inimigos amigos.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Bom senso

Toda a insanidade
Capto com apreço,
Nunca com maldade
Pois ela eu desejo.

Porque a aula de filosofia hoje foi meio insana, principalmente com ideias inatas e pensamentos notáveis.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Ramalhos


Não é que eu esteja correndo de você
Não é que eu esteja correndo do mundo,
Estou mesmo é escorrendo,
Escorrendo para o profundo;

O profundo abismo de mim
E lá tudo é tão bonito,
O tempo não passa
Não perco o equilíbrio;

Tropeçando novamente
Na mesma pedra da outra vez,
Rachando a face
E manchando de vermelho a tez;

E eu estou escorrendo para algo bom
Livrando-me das impurezas,
Uma pedra nova
Outra natureza.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Adorável transparência conectiva


      As coisas são mais simples do que parecem, mas existem tantas camadas envolvendo as pessoas e os seus sentimentos que não conseguimos nos aprofundar. É como uma cebola, quando mais descascamos, mais lágrimas soltamos.
      Não é a questão do quanto você vai sofrer para conhecer alguém de verdade, mas o quanto aquela pessoa pode tirar suas próprias camadas. Vale a pena ser transparente com quem merece, existem pessoas que simplesmente são assim. Se encaixam em você sem ter que falar nada.
      A transparência existe nesta conexão.
      Sim, eu acredito em conexões.
      Eu tenho conexões.
      Poucas.
      Adoráveis. 

sábado, 13 de outubro de 2012

Portais de giz


A primeira vez que vim aqui, do pouco que me lembro, foi reconfortante. Eu era gélida e pálida, sem vida e poucas cores no meu rosto e na palheta de cores da minha vida. Eu bati na porta, o jardim bem cuidado chamou-me atenção com suas grandes rosas azuis, eu nunca tinha visto rosas azuis criadas naturalmente. Ele abriu a porta, seus imensos olhos azuis, da mesma tonalidade das rosas. Não sorri, não me mexi, não sei por que havia batido na porta, apenas senti que deveria.
        Ele sorriu e estendeu a mão, já era idosa assim como o seu rosto, o bigode branco e espesso escondia algo nele, assim como o seu cabelo penteado com o maior cuidado para o lado esquerdo, e os cachos no final. Subimos a escada e ele abriu uma porta e me deu um giz, sorriu mais uma vez e a fechou. Eu apaguei.
        Acordei no dia seguinte no meu quarto, o velho quarto pálido de todos os anos, mas lá estava o giz do dia anterior, sobre a escrivaninha. Simplesmente pus na mochila e me fui para a escola, já era tarde naquela manhã de inverno.
        Enquanto caminhava avistei novamente a casa, parei, mirei o relógio e andei em direção à casa. Bati na porta e recuei. Ninguém apareceu, repeti a ação umas duas ou três vezes, até me cansar e perceber a quão atrasada eu estava. A ação repetiu-se mais quatro, cinco vezes naquela semana, sem resposta.
        Desenhei um círculo no chão do quarto, afastado da cama e da escrivaninha, conseguia deitar sobre ele, abrir os braços e até fazer um anjo de neve de madeira. Um anjo tão branco, uma madeira tão escura, bela comparação do que eu era. O rosto não escondia a quão branca eu era e os olhos e cabelos escuros, cores de pinheiro se sobressaíam, era como a neve sobre a madeira. Desenhei alguns flocos no círculo, eram irregulares, parecidos com o que eu havia visto nestes anos de neve. Eles pareceram frios, molhados, reais, e quando os toquei percebi que se desfaziam em pequenas poças de água. A madeira estava molhada e talvez até um pouco mais funda, as poças foram caindo e caindo, como se passassem para o primeiro andar, mas eu não via buracos. Eram aprofundamentos na madeira, com as bordas escuras, cheias de água. Toquei uma delas e eram tão cristalinas. Aumentaram e aumentaram até o círculo se transformar em um pequeno lago no meu quarto. O fundo era escuro e eu não conseguia ver a pureza da água, mas o simples toque já revelava o quanto ele era gélida e perfeita. Olhei para a porta, e para a janela, vi a neve retendo-se no peitoril. Olhei para o lago e imergir, sem pensar no que estava do outro lado, se existisse.
        Como se fosse negro, como se fosse bruma, como se fosse a morte. Sensações que me levavam a querer sumir do mundo, dos pensamentos. Estava naquela pequena imensidão e sentia que nunca acabaria. Emergi, estava cega, via um clarão e nada mais. Tudo parecia ter desaparecido. Abria os braços e não encontrava a borda, não havia fundo, eu estava cansada. Nadei para qualquer lugar, para qualquer direção. Não me dei com a borda, apenas mais água, mais líquida entre as minhas mãos que faziam movimentos iguais. Os braços iam se cansando, minha alma caía, e eu me deixava levar pelo fluxo, até a hora que parei de nadar.
        Despertei na grama, o cheiro de terra molhada, a pele espetada por algo tão fresco como orvalhos na grama verde. Ouvia o barulho da água, a mesma água onde eu me encontrava antes. Folhas umedecidas cobriam os meus olhos, e eu sentia algo macio, suave. Preenchia os meus olhos, aliviava a minha dor.
        - Melhor?
        Levantei-me rápido e tirei as folhas do meu rosto, abri os olhos. Apenas um clarão. Abri os braços e tentei apalpar alguma pessoa, encontrar quem havia feito a pergunta.
        - Não, não. Você tirou curativo. Errado, muito errado. Terei que começar novamente. Por que vocês nunca ficam quietos?
        - Quem é você?
        - Eu me chamo Luter, agora se deite novamente para eu começar todo o trabalho, sua desastrada.
        - Por que eu não consigo enxergar? Onde está você? – Eu perguntava, balançando as minhas mãos histericamente.
        - Se não parar com esse comportamento estapafúrdio a sua pessoa voltará para a água de onde te tirei.
        - Você me salvou? E o que eram aquelas folhas no meu rosto?
        - Folhas de aveleira com pétalas de edelwaiss amassadas. Muito bom para fazer a visão voltar, mas demora um tempo enorme para isso. – Ele enfatizou o enorme tempo. – Buscar mais folhas, sim, buscarei mais. Não saia deste lugar.
        E eu pensava que lugar era aquele. Esperei, deitei na grama e fechei os olhos, não pude dormir, eram tantas coisas passando pela minha cabeça, onde eu estava naquele momento. Dormindo, em outro mundo ou do outro lado do meu?
        Luter voltou com as folhas e fez outro curativo, amarrou parte de uma folha de bananeira que circundava minha cabeça, fazendo que o curativo se mantivesse preso. Ele bocejou algumas vezes, e só depois vim a perceber que ele repetia demasiadamente este ato.
        - Por que está sempre bocejando?
        - Eu não sou muito do dia, gosto mais da noite, momentos de crepúsculo onde posso comer sossegado e pensar sobre a vida. Só que é meu dever cuidar do lago, o mesmo lago que te salvei e que está bem na sua frente, lamento por você não poder admirá-lo. Com isso perco muitos dias de sono, e acabo por não dormir o suficiente.
        - Você poderia passar sua tarefa para outra pessoa.
        - Jamais! – Ele gritou. – Cuido deste lago desde que nasci! Meu bisavô cuidou, meu avô cuidou, minha mãe cuidou e comigo não seria diferente, oras pois.
        - Sim, eu entendo, é um dever hereditário, mas você não perde mais dias de vida com isso?
        - Entenda uma coisa, pequena desastrada, o que perco acabo ganhando de outro modo, ou em outro momento. No dia que não me ouvir bocejar, pode ter a certeza de que este lugar foi engolido pelo lago e que nada, jamais, voltará a ser a mesma coisa.
        - Bem lembrado, onde eu estou?
        - Perdeu o caminho de casa? Posso te emprestar uma bússola. Não há de me fazer muita falta.
        - Não, eu lembro que estava no meu quarto e mergulhei em uma poça de água no chão, acordei aqui.
        - Isso é comum, não se preocupe. Muitas pessoas aparecem por aqui vindas de quartos, praças, teatros. Gizes foram espalhados pelo mundo afora, onde você conseguiu o seu?
        - Foi um homem idoso, que mora perto da minha casa.
        - Oh sim, deixe-me explicar: poucos gizes existem, eles são raros e como sabe, eles se desgastam com o uso. Eles criam portas para este lugar, mas muitas pessoas não sabem como usá-los. Já vi de tudo por aqui, crianças que desenharam na parede, alunos com uma professora que explicou a matéria no quadro negro, meninas que desenharam no muro o nome de seus amados com um grande coração. Se a ponta de uma linha se junta à outra ponta dela mesma, uma porta de abre. Se for grande o suficiente você poderá entrar e ver o que tem do outro lado. Só que poucos conseguem ver, poucos conseguem esperar o tempo necessário para o curativo fazer efeito. E eles se vão, tiram os curativos, gritam, fazem perguntas demais. E a mais frequente é como achar o jeito de voltar. Como não tenho permissão para fincar alguém no chão, digo a saída e os deixo ir.
        - E só existe o lago como entrada?
        - Não, há mais entradas, na floresta, nas montanhas, nas árvores. Não em todas, claro, mas cada uma tem o seu guardião.
        Ele continuou contando-me coisas maravilhosas, que ás vezes me espantava, e outras me faziam rir. Mesmo com a venda nos olhos eu podia ver que aquele lugar era bom, sentia isso em cada gota do meu ser. Eu estava realmente longe de casa, e feliz por isso, tudo era muito sem cor por lá.
        Não me lembro de como voltei, ou o que realmente passei lá. Apenas acordei no chão de madeira do meu quarto, o círculo ainda desenhado, minha memória afetada. Eu acordei diferente, sentia-me mais viva e mais disposta a encarar o mundo. Não era mais tão gélida, meu coração estava aquecido. Eu estava feliz por dentro, mesmo não sabendo as razões.
Lembrava-me de Luter e de nossa primeira conversa, mas todo o resto se apagou da minha memória. Conto aqui o que aconteceu de início para que vocês saibam da minha experiência, porque tenho esperança que alguém tenha passado pela mesma coisa, ou por algo parecido. Tenho esperança que alguém tenho ido para esta outra terra, tenha falado com Luter ou com qualquer outra pessoa.
        Peço, do mais fundo do lago que me levou até lá, digam-me que não enlouqueci e que há um jeito de voltar. A casa que a princípio bati na porta não está mais lá, mas sim um campo deserto. Não tenho mais daquele giz, e sei que as possibilidades de encontrá-lo são remotas.
        Minha única esperança é que alguém se lembre, porque nem eu tenho mais certeza se Luter era uma pessoa ou uma lontra.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Ênfases verdadeiras


                Fiz uma coisa errada, sé é que posso chamá-la assim, pois para mim não passou de uma tentação irremediável. Contaram-me uma história para entender que os fatos não correspondem aos atos, e que eu não poderia repetir aquilo.
                Contaram-me das verrugas nos dedos quando apontamos às estrelas, dos sapos que viram príncipes, dos mamíferos que põem ovos. Citaram frases bonitas, de efeito, com ênfase nas maiores palavras: sistematicamente, sentencioso, interminável.
Eu sistematicamente sentei no meu lugar de costume na sala de aula, em alguns minutos o menino sentencioso se aproximou. Eu me levantei e o beijei, um beijo interminável.
Na verdade era eu que repetia as frases bonitas, porque eles só me falavam de ornitorrincos. Não queriam falar de sentimentos, queriam reprimi-los.
Eu não podia repetir aquilo, mas assim como sapos serão sapos, meus beijos estão reservados a um príncipe de verdade.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Pupilas


Eu não preciso abrir meus olhos para te reconhecer, pois há um encontro de almas, não de pupilas dilatadas. Mesmo que elas estejam assim todo o tempo.

domingo, 7 de outubro de 2012

Os mesmos olhos caídos

E o que eu não entendo
E o que eu sinto,
Não posso expressar
Claramente.

Cla-ra-men-te.
Eles me vigiam
Tomam conta
Dos sentimentos.

Sen-ti-men-tos.
São eles reais?
São eles
Insignificantes?

In-sig-ni-fi-can-tes.
Meus olhos,
Nos teus olhos
Caídos.

Ca-í-dos.
Continuam caindo,
Fazendo-me cair
De mim.

Mim.
E o que eu não entendo
Não fica pra mim,
Fica escondido.

Escondido lá fora.

--

      Toda vez eu volto nos teus olhos, porque eles me seguram. Apertam meu peito, e eu permaneço os fitando. E o que eu não entendo não fica para mim, e os meus sentimentos não ficam para mim. Não ficam para os outros, não ficam para o dono destes olhos. Ficam escondidos em páginas secretas. E as frases se repetem tanto que já cansei de escrevê-las, mas continuo, porque eu simplesmente não entendo.

sábado, 6 de outubro de 2012

Violência interior


      A violência está inserida no homem, desde os primórdios da Terra que a usamos para tudo. Os homens caçavam, guerreavam por fêmeas, comida e abrigo. Tudo isso, nossa evolução, parte do ponto que os mais fortes sobrevivem, e isso com a violência que se tem para eliminar o resto.
      Desde pequenos somos obrigados a nos moldar aos padrões da sociedade (é aí que eu penso que cada lugar tem as suas leis e que as pessoas agem conforme o imposto). As crianças fazem tudo o que querem, pois é da natureza delas. Elas correm, brigam, gritam, jogam coisas no chão, conhecem o exterior em que vivem. São os pais que impõem limites, limites sobre alimentação, jogos, até a própria convivência com outras crianças. Elas aprendem quando deve chorar para conseguir algo, como devem agir para serem aceitas, e toda a violência existente dentro delas se reprime ao longo do tempo.
      Estas crescem de uma maneira mais reprimida ainda, primeiramente com as responsabilidades de um adolescente, toda a pressão nesta passagem de criança para a fase adulta. É nesta época que a rebelião toma conta de nós, de todos, cada um de uma maneira diferente.
      Nós temos que extravasar tudo aquilo que guardamos por tanto tempo, agradando as outras pessoas. Alguns se isolam, escrevem, brigam com os amigos. Outros se tornam góticos, ouvem músicas fúnebres, rejeitam os seus pais. Tem aqueles que recorrem ao rock, descobrem o seu lado dark. E tem aqueles que preferem guardar isso para si, são estes os perigosos, que podem vir a explodir mais tarde e causar grande estrago na sociedade, ou na vida de algumas pessoas.
      Então todos tem violência lá no fundo? Sim. Todos conseguem acabar com ela? Impossível.
      Você pode perceber o quanto as pessoas são levadas quando assistem lutas de boxe, por exemplo. Elas pagam para ver sangue, elas precisam disto. Tem aqueles que recorrem ao futebol, precisam se focar em uma bola, jogar tudo isso para vencer. Pense nas mulheres, quando ocorre uma briga, mesmo que simples, talvez elas a comprem. Vale a pena para elas um pouco de agitação (para nós), porque nós somos as mais reprimidas na sociedade quando se trata de respeito e boas maneiras de convivência.
      Todos nós buscamos um meio de conciliar isso, não ficaria bem lutar por uma vaga de emprego com lanças, por um tênis com facas, ou até por uma vaga no Cefet com cavalos e espadas.
      Mas há aqueles que não arrumaram um jeito de liberar toda a adrenalina, carregam-na consigo (e talvez alguns traumas de criança, quem sabe), são estas pessoas as perigosas, que podem planejam atos de loucura, insanidade. Tudo isso afetou as suas mentes, a sua capacidade de esconder toda a fúria que permaneceu tanto tempo na calada de seu ser.
      E as pessoas que nascem pobres, lá no morro, com má índole? Eles não extravasaram sua violência? Sim, mas desde de criança eles não foram devidamente moldados, eles aprenderam como jogar isso para o mundo de uma forma muito ruim. E eles utilizam disso para ganhar dinheiro, mas tudo tem o seu preço. Focaremos em um assaltante. Ele pode roubar, mas todos têm consciência, e este ato de liberação pode acarretar nele mais angústia, dúvidas, ou até mesmo nada disso. Ele pode se sentir muito feliz com isso, mas dentro dele ainda existem resquícios, que podem ser liberados nas drogas, para abafar tudo.
      E os assassinos? Eles têm a violência interna, que pode ser acompanhada de um trauma infantil, ou até não. Mas eles não roubam nem nada, preferem matar, se sentem melhores com isso.
      E os suicidas? Estes não escolheram outro caminho além de acabar com a angústia nos seus peitos.
      E os loucos? Não se sabe o que passa em suas mentes, mas penso que tais distúrbios acabem por revelar lados obscuros do ser, ou então nenhum lado, e eles ficam maníacos ou indiferentes.
      No final das contas todos temos uma violência interna, e diferentes maneiras de liberá-la. Tudo isso depende da família em que vivemos, do modo que fomos criados e com as pessoas que convivemos durante o nosso amadurecimento.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Grimaldi

O mundo acima
Não é mais bonito,
É menos crítico.

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O homem está acorrentado,
O dia ensolarado
O sol quadrado.

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Quando fico com medo,
Eu corro.

Quando fico apreensiva,
Eu paro.

Quando fico confusa,
Eu me escondo.

Quando fico perplexa,
Eu me calo.

domingo, 30 de setembro de 2012

Válvulas da felicidade


      Quero uma válvula de escape,
      Um dia mais ensolarado
      Com um vento frio uivante,

      Talvez eu tenha isso
      As minhas pálpebras não me deixam ver,
      Medo da claridade,

      Não, da poeira cósmica escondida nas lágrimas,
      Tão pequenas
      Tão alarmantes,

      O céu está caindo,
      E eu?
      Tentando apalpar a felicidade,

      Sem mais delongas
      Ponho os óculos,
      Abro os olhos,

      O fim é um bonito começo
      Vamos ver de camarote,
      Sim, com os ingressos de ontem,

      É só mais uma válvula.


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      Ás vezes eu acordo triste, mesmo uma pessoa tão feliz como eu. O dia tem sol, mas o vento é estridente, eu não consigo abrir os olhos, porque eu sei que alguma poeira vai entrar e atazanar a minha lente. Não é medo do sol, da luz, é medo de ter que andar de olhos fechados até uma corrente de água, ou esperar que as minhas glândulas lacrimais comecem a trabalhar. E o dia vai passando, eu continuo meio triste, meio chateada. O céu cai e eu não sei o porquê. Então eu ponho os meus óculos, vejo tudo melhor, mais nítido. O fim do dia vira um belo começo para mim, eu me sinto mais feliz, mais amada. E tudo isso por cima das costas de alguém, porque eu havia esquecido os ingressos de felicidade que eu tinha comprado ontem. Eu posso ser feliz todos os dias, porque eu quero ser, mas tem momentos que eu quero chorar só pra esvaziar o container aqui dentro. É só mais uma válvula de escape para eu voltar a ser quem eu sou.

Asas da eternidade

      E os fins se tornam os começos 
      Porque nada é para sempre,
      E um dia as rimas acabam 
      Tornam-se complacentes. 

      Tentam agradar, receber 
      Tentam mudar, crescer. 

      E como o vazio nada é 
      E como a gravidade nada fixa, 
      Você voa, 
      E tudo se cria.


      Não sei, ainda estou tentando entender. Na verdade eu parei de querer entender, eu só leio e sinto. Sinto-me como aquela menina do ensino fundamental cheia de sentimentos trancafiados, gosto desta sensação, gosto de como ela fazia expressar-me de uma forma tão minha. Eu leio os seus textos porque eu sinto, e eu não sei explicar de que forma isso me faz uma pessoa melhor, só me faz.
-Para Amanda Cantuária.

sábado, 29 de setembro de 2012

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Sonhos e poemas


E se tudo fosse sonho,
Nesta ingênua realidade?
Morfeu nunca me abraçou,
Orfeu nunca foi verdade?

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E quando tudo entala
Eu conto pra você,
Porque talvez seja isso,
Desespero de não te ter.

Trilhos de argila

      A perna dói
      A carne impressa,
      O sangue escorre
      A vida é bela.

      Eu estudo no Cefet/RJ e volto de trem para casa. Hoje eu presenciei uma cena horrível. Um homem, de mais ou menos trinta e sete anos cruzou as plataformas pelos trilhos. Como é um grande trajeto, tem que se fazer isso com muito cuidado, lembrando que é proibido por ser perigoso. Um trem em alta velocidade fez uma curva, ele ouviu o trem e tentou correr, percebeu que não tinha chance e voltou. Não sei o que teria sido melhor, acho que não tinha escapatória. Ele recuou e o trem pegou a sua perna, fazendo-o rodopiar e cair morto no chão.
      Eu havia escrito este poema no segundo tempo de história, por volta das nove horas. Ele se encaixa perfeitamente ao ocorrido hoje. Isso tudo porque eu estava sentada de um jeito dolorido, e a minha perna acabou por ficar imprensada no ferro da cadeira. Nada demais, mas ficou um pouco dormente.
      Não sei se foi coincidência, mero acaso, ou tive uma sensação, não sei.

domingo, 23 de setembro de 2012

Caraminholas na cabeça



 - E se eu me jogar?
            - Pare já de caraminholas, Alberta. Há muito mais no que se pensar. Álgebra, física, literatura. Minha velha amiga literatura. Deveria ler alguns livros que estão no escritório.
            - Eu não posso entrar lá.
            - E por que não, ora?
            - O senhor não deixa.
            - Proíbo minha própria sobrinha de entrar em meus aposentos? Claro, havia me esquecido do pequeno fato que não passas de uma criança, o que faria em um escritório?
            - Viveria um pouco de literatura?
            - Viver? Literatura? Não! Literatura não é uma coisa que se viva, você apenas lê e absorve. Não como uma esponja, isso seria burrice de sua parte, mas você mantem as frases na sua mente. Apenas as boas, as que condizem com a nossa sociedade. Como se livros que revelam o futuro ou que aceitam coisas que ninguém mais aceita fosse lidos.
            - E como nós mudamos?
            - Mudar? Que história é essa?
            - Como as pessoas mudam? Como a física muda? Isso não se registra?
            - Números mudam equações, não pessoas. O mundo é hoje como sempre foi, não são os livros que criam as imaginações, o humano diz o que é bom e ruim.
            - Regras?
            - Sim, há muitas delas para serem seguidas. Por exemplo, nunca entre no meu escritório. Você não entenderia, os livros que estão lá são de suma importância para mim, eles dizem tudo o que você precisa saber.
            - Quais livros o senhor tem?
            - Oh, economia, biologia, evolução humana. São respostas.
            - A evolução humana não é uma mudança?
            - Sim.
        - Então, por que está registrada? As coisas não deveriam ser como sempre foram? Nós evoluímos? Não estamos do mesmo jeito de sempre?
            - Pare já de caraminholas, Alberta. Nós mudamos porque fomos obrigados pela natureza.
            - A física é natureza?
            - Bem, física... Física é física!
            - A física é uma equação?
            - Por que seria?
            - O senhor disse que números mudam equações.
            - Certo.
            - Já sei! Os números são a natureza, as equações somos nós e a física é um mero acaso da nossa imaginação?
            - Não existe imaginação, Alberta! Existe o certo e o errado, o exato sempre!
            - E as mudanças, tio?
            - Alberta, as mudanças são feitas de duas formas: pela obrigação da natureza ou pela exatidão da certeza. Se você tiver muita certeza de tal mudança, e que isso não comprometerá a sociedade, talvez a mudança seja feita.
             - A mudança é planejada?
            - Sim.
            - Como nós mudamos?
            - Pelo planejamento.
            - Sinto um pleonasmo nesta explicação.
            - Não ouse julgar minhas explicações, Alberta!
            - O senhor mesmo disse que números mudam equações, que nós não mudamos, mas que a mudança é planejada, e que nós mudamos pelo planejamento. Não está uma confusão este raciocínio?
            - Números mudam equações, mudam certezas.
            - Se elas são tão certas, tão exatas, estamos mudando de forma errada?
            - Nós não mudamos!
            - E o tal planejamento?
            - Somos obrigados.
            - Por quem?
            - Pela sociedade.
            - Não seria ela que decide o melhor em conjunto?
            - Sim.
            - Então?
            - Não. Pare já de caraminholas, Alberta!
            - O senhor é capaz de mudar uma ideia?
            - Sim.
            - E por que não as pessoas, o mundo? As pessoas mudam o seu jeito de pensar, suas certezas. O mundo pode ser feito de números e equações, mas nem todas estão resolvidas. A mudança pode ser planejada, mas nunca sabemos o que ela acarretará no futuro. Livros não dizem o futuro, mostram uma realidade distorcida. A literatura se vive, é uma válvula de escape desta sociedade que o senhor diz ser tão certa e tão errada. Não existem certezas absolutas, existe a mudança.
            - Deveria eu queimar todos os livros do meu escritório?
            - Não.
            - E por que não?
            - Eles trazem certas ideias, o senhor precisa de novas.
            - E mudar minha concepção do exterior?
            - Sim.
            - Isto é possível?
            - Suponho que sim, o senhor não mudou com a nossa conversa?
            - Talvez, bem, eu evoluí um pouco. Se é que posso dizer isso. Oh, uma mudança. E eu que nunca acreditei nisso, defendi a sociedade enquanto guardava rancor dela no meu peito. Quantas caraminholas tenho na cabeça agora!
            - Posso entrar no escritório?
            - Não. Se eu mudar neste ponto você perderá a sua mudança. Deixe que aprenda sem os meus livros, você precisa de mais válvulas.
            - E se eu me jogar?
            - Jogar de onde, Alberta?
            - Do telhado?
            - Você não morreria?
            - Isso mudaria algo em você, tio?
            - Muitas mudanças para um dia só. Não basta querer mudar o mundo, quer mudar também o seu tio. Reverei as minhas concepções longe do escritório. Menina esquisita com os seus pensamentos soltos. Juntaram tanta coisa na minha mente. Bem, talvez seja cedo demais. Mudanças, mudanças. Por toda parte existem mudanças.
- Tio?
            - Pare já de caraminholas, Alberta!

Pretend it's love


sábado, 22 de setembro de 2012


         A cigarra canta, a primavera é anunciada. As rolinhas se enamoram, os pássaros cantam juntos e até as folhas se encontram com o vento. E eu aqui, sofrendo.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

E se tudo fosse claridade?


E se tudo fosse chuva?
Eu deixaria de sentir?
As águas levariam
O que você levou de mim?

Levou sem perceber
Jogou ao longe, no mar,
E os seus olhos me fazem perecer
À escuridão que vem me matar.

E se tudo fosse cachoeira?
Eu deixaria me levar?
Pela correnteza
Para as pedras, Deus dará?

Dará conforto a mim?
Far-me-á inocente?
Ela nunca será passado,
E eu nunca serei presente.

E se tudo fosse céu?
Eu poderia voar para longe?
Esquecer que eu existo
Esquecer do meu nome?

Talvez desistir seja um começo
Eu não aguento mais isso,
Talvez seja um adeus
Ou talvez, o precipício.

sábado, 15 de setembro de 2012

Para ser meu


                Percebi por estes dias que parei de escrever como quero. Ando querendo agradar as pessoas, tentando conquista-las. Não é bem assim que a banda toca, já estou cansada de notas graves e pesadas, só para dizer que há algo em comum.
                Os sentimentos dos meus textos são calmos, eles não estão em cada palavra, mas nas frases como um todo. É como uma banda, uma sinfonia, cada parágrafo que aprendi a escrever na escola diz algo, todos juntos me explodem.
                Não, não usarei mais frases aleatórias só para compor algo bonito. Usarei espaços, métodos aprendidos no ensino fundamental, metáforas que se encaixam no meu ser.
                Serei eu mesma, pois é assim que devem me conhecer, não por textos que não condizem com quem sou. E que gritem para o mundo que eu estou de volta, chega de fingir só para agradar. 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Bolhas de carbono



Há quanto tempo você vem dizendo a si mesma que tudo vai dar errado? O otimismo é uma porta de entrada para os cegos? Eu havia me esquecido o quanto os palavras ferem as almas perdidas, e mais ainda aquelas que estão tentando se encontrar, em outra pessoa. Digo que a chuva vai ser horrenda no final do dia, e que teremos que esperar uma semana para vermos a escola de pé novamente. Mais ainda que a biblioteca tem um cheiro agradável, mas que tudo não passa de ilusão da minha mente.
                O que me irrita, e eles sabem o quanto, é o pessimismo agudo que você insiste em ter. São as pessoas que você insiste em afastar. São os olhos que você insiste em não querer mirar. Cegos, cegos por toda a parte. Eles gritam e ninguém os consegue ouvir. Eles dizem muito mais que a verdade, mostram a face à tapa, pois já não veem mais as cores. Entram em portas desconhecidas, porque o novo pode ser bom, o novo pode ser confortável. Assim como existem portas para o fracasso, meu bem, tudo é complexamente misturado para confundir não só o seu ser, mas todos nós, que buscamos infinitamente o amor, ou a desolação em viver em uma bolha de carbono.
                “Não deixem entrar”, grita uma vez. “Fechem as portas”, gesticula mais um pouco. “Cubram os espelhos”, já correndo para evitar o inevitável. Não há porta que segure o vento, não há espelho que não te envelheça com o tempo. Basta saber usar os seus princípios, basta ser cego pelo menos uma vez. O castelo é feito de mármore, tão branco que parece a própria neve espalhada pelo salão. O tapete vermelho corta a brancura, e se fosse verde?
                E se tudo fosse verde? Se nossos corpos se fundissem com as árvores, as folhas tapassem nossos olhos? E se nossos pés fossem como grama, e se as palavras fossem como flores? E se? Será que o mundo seria mais agradável?
Há quanto tempo você vem dizendo a si mesma que tudo vai dar errado? Estou farta dos sentimentos esmagadores do mundo, ou apenas os seus. E as flores continuam morrendo pelo caminho, por falta de água. Disseram-me uma vez que palavras belas aumentam o ego, mas que o afastamento leva consigo todas as esperanças. Você perdeu as esperanças nele? Em mim? Em todos os outros? Ou é só você que não confia no seu julgamento?
E a noite azul virou cinza.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Mil noites de lua cheia


                Fitando aqueles olhos negros, não sabia se era real. Aqueles olhos caídos me faziam cair de mim mesma, do meu ser e de toda aspiração que pudesse vir a ter. Ele me consumia como um chocolate amargo, cacau puro, doce sereno. Eu ia descendo por todas as suas vertentes, por todos os seus pensamentos, e lá estava sentado na cadeira do auditório, com aquela expressão de aconchego. Eu estava em pé, no outro lado, apenas nossos olhos se cruzavam, e eu caía no abismo daquele ser. Eu me deixava cair.
                Desviei o olhar. Como pode alguém ter o melhor e o pior de mim? Como pode alguém fazer-me parar de uma hora para outra? Assim como os girassóis seguem o sol, ele era o meu sol. Eu seguia os seus leves movimentos, as piscadas, os sorrisos, como ele passava a mão no cabelo. Eu tinha a necessidade de estar perto, ele me consumia como um chocolate amargo, consumia-me só pelo desejo de consumir, e ele não fazia ideia disso.
                E eu olhava, incendiava o lugar, e só eu sentia as labaredas subindo e tomando conta de todo ar que eu dispunha antes. A cada minuto eu ficava mais sufocada, e não me importava com isso. O fogo não tomava conta de mim, porque eu era o fogo, eu ansiava por queimar toda e qualquer possibilidade de fuga, eu ansiava pelos tetos desabados e pelos gritos de socorro. Eu anseio que a minha alma se encha com algo palpável, além deste amor que arde em mim a cada olhar que ele me lança.
                Por que tudo é tão vazio? É tão sem cor? Ele molda os quadros com a sua palheta infinita de cor, e eu assisto ao espetáculo. Ele move os ombros, abre a boca, mas não emite nenhum som. Bate palmas, pergunta às estrelas os motivos pelo qual o planeta me move. Ele move o meu planeta, todas as minhas estrelas brilham, receosas por uma pincelada dele. E eu me deixo ir, pois não há outro lugar que eu queira estar. Talvez um mundo mais colorido, com mais corujas e sentimentos palpáveis, mas não posso desgrudar os olhos dele. Eu simplesmente não consigo.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Trecho sorridente


“E se eu parasse para pensar
Em todas as vezes que chorei,
Perceberia que há motivos
Para vir a sorrir outra vez”.

Só um trecho da cartinha que escrevi para o meu amigo.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Folhas no cimento


                       
            Se olhar pela janela me lembrasse dele, fechava os olhos. Se o cheiro do mar me lembrasse dele, prendia respiração. Se doce de abóbora me lembrasse dele, não ousaria degustá-lo novamente. Tudo isso não me lembrava de James, mas sim as pálidas ruas de Nova Orleans, as músicas de Louis Armstrong que costumávamos escutar, o sorvete de caramelo que ele comprava para mim todas as sextas depois da aula de piano. Nunca mais consegui ir aquela sorveteria, é como se ele ainda estivesse sentado na cadeira azul, olhando todos aqueles sabores e decidindo em qual mergulhar profundamente. Ele me ofereceu um sorvete, e tudo aconteceu, era como mágica. E todas as vezes que espreitávamos a porta do quarto de seu pai, para escutar as melodias do jazz, embriagavam-me como o sorvete de caramelo. Repetíamos as músicas no piano, cantávamos em uma desafinação conjunta, e eu não me importava.
            Aprendi que os troncos das árvores têm histórias, e no final de semana íamos ao parque escutá-las. Abraçávamos uma árvore e ficávamos nos entreolhando, mas no final não eram as árvores que tinham histórias, mas nós que estávamos fazendo a nossa.
            Ás vezes nós ríamos sozinhos, sentados no meio fio olhando os carros. Pensávamos que éramos felizes assim, e que as pessoas, presas nos seus carros, não conseguiam aproveitar o de melhor fora deles. Perdiam muito tempo indo e vindo de lugares desnecessários, dirigiam até padarias que ficava na esquina de suas casas. Preguiça ou costume, perderam a habilidade de apreciar as pequenas coisas. Um dia, James veio correndo até mim com uma folha enorme na mão:
            “- Fernanda, Fernanda! Olhe esta folha!
              - E o que tem?
              - Não vê? Está cheia de cimento?
              - E o que uma folha com cimento tem de tão especial? – E ele me levou até a calçada que havia cimento ainda úmido, e eu vi exatamente a forma da folha desenhada no cimento.
              - As árvores podem morrer, as folhas podem ser levadas pelo vento, tudo isso é natureza, mas esta folha nunca será esquecida.”
            E eu olho aquela folha guardada na minha gaveta do criado mudo, todos os dias desde que ele se foi. Eu imagino o baque do carro, ele estendido no chão, sem mim. Ferido por uma pessoa desatenta aos detalhes, que perdeu habilidade de viver no nosso mundo, que dirigem para chegar a lugar nenhum. Ela chegou ao meu amigo, e ele não teve nem a chance de se despedir de mim, ou de lutar por mais um sorvete de caramelo, por uma nota de jazz. O baque foi tão forte que ele permaneceu imóvel.
            Eu não o vi no chão, não o vi no enterro, só nas minhas lembranças. Foi uma sexta-feira, ele me levou à sorveteria e comprou um sorvete de pistache, dizia que precisávamos ver o mundo mais verde, mais cor de pistache. Dizia que mudar é bom, mas que permanecer gostos é essencial. O sorvete caiu na minha camisa, ele riu. Eu o sujei, manchou a camisa dele. Prometemos ir à escola na segunda-feira com a camisa manchada, só para mostrar que o pistache tem o seu lugar no mundo, e nas nossas camisas. Nós nunca chegamos a ir à escola, tudo aconteceu no sábado.
            Dizem que a morte é apenas uma travessia do mundo, tal como os amigos que atravessam o mar e permanecem vivos uns nos outros. O James permanece vivo em mim na música, no sorvete, nas árvores, na calçada, nas folhas de outono, na minha camisa manchada. Eu permaneço machada de pistache, marcada na calçada, porque ele foi essencial na minha vida. Eu mudei de gostos, mudei de casa, mudei de opinião, mas mantive o que era bom. James era bom, e eu o mantive na minha memória. As árvores podem morrer, as folhas podem ser levadas pelo vento, tudo isso é natureza, mas o meu amigo nunca será esquecido.


Pauta para Bloínquês, 127ª edição conto/história, tema: negrito. 

P.S.: Imagem do site JB Studio Arte, do meu pai.

Avaliação Detalhada: Primeiramente, amei muito as alusões ao jazz. O jazz dá uma elegância imensurável no texto. E os detalhes, os pequenos momentos de felicidade que as personagens vivenciaram deram uma identidade ao texto. Não é uma história aleatória, é uma história com situações marcantes, memórias. A perda de um grande amor nos dói o coração e dilacera a alma, é tal sentimento que eu quis trazer na frase-tema, mas com uma visão otimista. E você cumpriu com propriedade a proposta. Um maravilhoso conto, sem dúvidas.