quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Linhas silenciosas


      Na minha casa não tinha telefone fixo e nem móvel, as crianças passavam o dia conversando na rua, os adultos trabalhavam e se viam ao anoitecer, os idosos sentavam-se na frente de suas casas com seus rádios de pilha e volte e meia se entreolhavam, como se soubessem segredos íntimos dos vizinhos, e sabiam. Os adolescentes eram uma mistura de tudo isso, eu era um deles.
      Não saia de casa se não houvesse um bom motivo, e na busca deste passava longos minutos espiando a rua da janela, na esperança de alguma menina bonita e conhecida passar. Quando isso acontecia eu descia as escadas e aparecia na porta como uma grande coincidência. E nesses momentos passava horas a fio conversando sobre o que hoje é banal. Outras vezes eu ia à padaria, ao jornaleiro, lugares simples que eu buscava o que necessitava em casa e ainda via as beldades na rua. E tinham aquelas que eu tomava coragem de ligar.
      Perto da minha casa existia um telefone público, não como esses orelhões de hoje em dia, eram cabines grandes na minha concepção, e nunca havia fila. A primeira ligação que fiz foi dali. Digitei um número qualquer que veio a minha cabeça e uma voz feminina atendeu do outro lado. Falamo-nos pouco, ela ficou confusa e acabou desligando o telefone. E eu só ouvia o tu-tu do final da ligação. Não foi uma das melhores, mas todos os dias eu ligava na mesma hora, e a mesma voz atendia.
      O nome dela era Flávia, trabalhava na confeitaria do seu pai, pelo que me contou, e a cabine encontrava-se na frente do estabelecimento. Era gentil, da minha idade. Pensava na sorte de ligar para um número distante e logo uma menina atender, e uma menina que gostava de conversar comigo.
      Eu não me lembrei de perguntar qual era a sua daquela cabine, nossas conversas eram tão boas que tinha até medo de vê-la pessoalmente. Arrependo-me até hoje por este ato, poderíamos ter sido namorados, casar-nos e assistir nossos filhos crescendo enquanto envelhecíamos juntos.
      Eu me mudei para Florianópolis com os meus pais, pude ouvir seu choro pelo telefone. Ela disse que sentiria minha falta, e que pensaria em mim todos os dias. Eu me fui, triste, mas fui.
      Na minha casa não tinha telefone fixo e nem móvel, hoje em dia tudo está computadorizado que eu mal me lembrava de Flavia. Foi aí que tive a grande ideia de um passeio até a minha casa antiga, já que eu havia voltado para o Rio. Por mais incrível que pareça a cabine continuava lá, hoje pouco utilizada. Digitei o mesmo número, agora acrescentando os dígitos novos na frente.
      - Alô?
      - Flávia?
      - Sou eu, quem é?
      - Igor.
      A voz se calou, e tudo que eu pude ouvir foi um suspiro seguido pela pergunta que eu mais queria:
      - Qual o número do seu celular?

2 opiniões:

Anônimo disse...

Awwn que lindo *-*

beijoos :*
garotanadanormal.blogspot.com.br

Matheus disse...

Olá!
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