quarta-feira, 31 de março de 2010

Desaniversário


   Aniversário é algo esquisito, uma vez por ano, em um dia, onde apenas quem quer para pra te cumprimentar e o mundo continua girando. O dia do meu aniversário é parecido com todos os dias da minha vida, só que nele eu me sinto mais especial, o estranho é que as pessoas não me tratam assim, e quando tratam; eu estranho.
   Para mim não é apenas no dia do seu aniversário que você deve se sentir especial, são todos os dias, então porque não comemorar o seu desaniversário?
São 364 dias por ano e a cada dia você se sente diferente, mas continua sendo especial da maneira que é. Por isso não é uma simples data em cada ano que vai mudar a sua vida, cada dia é o seu dia. E hoje por coincidência é o meu desaniversário, então vamos sair para curtir, viver à vida e se sentir especial; hoje e todos os outros dias do ano são dias para se comemorar.
   Desaniversário é quando alguém não lhe dá os parabéns, mas você mesmo deve se dar os parabéns, pois a cada dia você vive como se fosse especial, pois é assim que todos nós deveríamos nos sentir; especiais.

Clique aqui para ouvir a música de Desaniversário de Alice no País das Maravilhas.

Pauta para Blorkutando, 79ª edição. Tema: Contos de Aniversário.

terça-feira, 30 de março de 2010

Laçinho vermelho


   O despertador toca, levanto para tomar um banho, coloco uma roupa qualquer e saio com o meu café da manhã na boca guiando minha bicicleta com a minha maltesa na cesta. Eu trabalho em uma petshop. Na realidade eu apenas vendo rações, brinquedos, guias e animais.
   Hoje foi um dia diferente, chegou uma menina que devia ter uns seis anos de idade e especificou o cão que queria:
   -Eu quero um cão companheiro, que faça bagunça comigo, mas saiba quando parar, quero um grande, bem grande, para eu poder abraçar e dormir no colo dele quando estiver jogado perto do sofá. Quero um cão de qualquer cor e raça, desde que ele saiba me amar, não quero filhote, pois preciso de um cão que cuide de mim, e não ao contrário. Você tem um assim?
   Eu fiquei estatelada com as especificações da garotinha, mas não era nada difícil achar um cão carinhoso, jovem, grande e que tenha muito amor para dar. Lulu, a minha maltesa sempre me acompanha em todas as escolhas, ela sabe quando um cão é perfeito para o dono. Entramos no canil para a menina escolher uns dos cães, Lulu logo apontou um Chow Chow, mas a menina virou-se, agarrou a grade de trás e gritou:
   -É este aqui! – Era um grande labrador marrom, com olhos chamuscados de alegria. – É este cão que eu quero, não é Magnum?
   Lulu continuava latindo para o outro cão, enquanto a menina já havia até dado nome ao grande labrador. Quando o soltei ele avançou em cima da menina e começou a enchê-la de lambidas calorosas. Lulu estava me olhando ainda com receio de latir, ela estava chateada comigo.
   A menina saiu feliz e com a mão toda babada enquanto era guiada pelo grande cão Magnum, Lulu ainda estava indiferente comigo. Passou-se uma semana e ela continuava sem latir, sem se mexer, não ajudava nas escolhas e teve até um dia que se rejeitou a vir na minha bicicleta. Com muito calma e carinho me aproximei:
   -Lulu, houve alguma coisa que deixou você chateada? – Ela me olhou como se eu estivesse brincando. – Por favor, Lulu, de algum sinal que você ainda esta viva para mim!
   Ela se levantou e foi para o canil, parando no meio e latiu para onde o labrador estava e agora para onde o Chow Chow permanecia. Eu estendi tudo na hora, eu havia ferido o ego da Lulu quando não aceitei a escolha dela; peguei-a no colo e levei para a frente da loja, para mostrar-lhe uma coisa linda.
   -Olhe Lulu, aquela menininha que veio aqui e levou o labrador marrom. Veja ela na praça, como esta feliz com o Magnum, como o abraça e beija-o, como conseguiu amá-lo e fazê-lo amá-la em uma semana. Desculpe-me não ter seguido o seu conselho, nada em toda a minha vida me magoou tanto quanto saber que havia ferido você. Mas algumas vezes temos que ariscar um novo palpite e fazer uma menininha feliz.
   Ela me deu várias lambidas como se tivesse entendido cada palavra da minha desculpa. Agora estava mais viva. Ainda olhando a menininha nós tivemos a certeza que quando eu entrei naquele canil a primeira vez não foi um cão que me disse quem era minha melhor amiga, foi à troca de olhares que eu tive na primeira vez que olhei a Lulu, quando ainda era um filhote com um laçinho vermelho.

Pauta para Bloínques, 9ª edição conto/história. Tema: Nada em toda a minha vida me magoou tanto quanto saber que havia ferido você.


 
Minha querida Lulu, aos seus oito aninhos ao meu lado. Eu te amo minha maltesa linda.

domingo, 28 de março de 2010

Corredor de fogo


   ‘Corta! Corta! Corta!’ Se ouvia em toda a extensão no corredor do colégio, cada vez mais carinhas apareciam no meio da multidão, espreitando, tentando saber o que estava acontecendo.
   -Esta com medo, não é, Carolina? Esta toda se tremendo de cortar um pedaço do cabelo fogo que o namorado tanto ama!
   Cyntia e Aníbal estavam me desafiando a cortar meu cabelo ali no corredor para provar que eu e o Marcos não tínhamos nada, Cyntia era apaixonada, mas ele, depois do término do namoro tentou se aproximar, mas ele não deixou, dizia que ainda estava me namorando para fugir dela.
   -Corta! Se você não tem nada com o Marcos, corta!
   Eu queria que ela soubesse que eu não tinha nada com ele, que depois do final de semana desastroso que passamos, com brigas e términos de namoro, não poderia ter, mas nada entre nós. Mas ela não acreditou em mim.
   -Eu não tenho nada com ele! – Tentava, em vão, convencer Cyntia que era loucura cortar meu cabelo para provar uma questão que o próprio Marcos poderia fazer, mas não queria. Ela não queria saber que fora rejeitada.
   -Cyntia! Vamos embora, ela esta falando a verdade. – Aníbal era quem realmente gostava dela, que estava ali em todos os momentos, e era o mais sensato naquela hora.
   Estava preste a cortar o meu cabelo e provar que não estava mentindo, que eu estava sendo sincera e que em nenhum momento estava tentando impedir a felicidade dela; um vulto apareceu entre as cabeças e gritos alvoroçados, era Marcos, sem fôlego, e muito vermelho.
   -Não corte o cabelo. – Sussurrou fitando-me por alguns instantes. – Ela esta falando a verdade, eu estava fugindo de você, pois eu ainda gosto da Carolina, e aliais, você é uma tremenda chata e não vê que o Aníbal que gosta de você. – Disse bem alto com ênfase no final para Cyntia.
   -Mas eu te amo!
   -Mas eu não. – Virou-se para mim, pegou a tesoura entre os meus fios de fogo e sussurrou em meu ouvido. – Nunca mais combine uma tesoura, seu cabelo e suas mãos.
   Passando entre a multidão com as mãos dadas fomos para o refeitório, deixando para trás Cyntia, Aníbal, o corredor, a multidão e a tesoura largada no chão.

Pauta para Bloínques, 10º edição visual . Tema: A foto do texto.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Incentivo

   Eu nunca fui muito boa com incentivos, era só aparecer alguma competição que o Gustavo começava a pular e eu toda desanimada. Eu sinceramente não sei o que ele viu em mim, não sou magra, não tenho cabelo loiro e liso, não tenho olhos claros e nem sou popular ou líder de torcida.
   -Gustavo, o que você vê em mim?
   -Como assim? Por quê eu gosto de você?
   -É!
   -É porque você me deixa louco e é diferente das outras. Seu abraço e seus beijos são melhores, você me ajuda em tudo, é companheira, engraçada, fofa e linda.
   -Você me acha linda?
   -Por que não acharia? Você tem uma beleza que eu não sei explicar, é por isso que é tão especial. – Me deu um beijo no rosto e foi treinar.
   Ele sempre me chama para os treinos e eu nunca vou, não quero ser uma estragas prazeres; até o dia em que fui convidada para entrar no time das líderes de torcida. Tudo bem, eu sei que não é o fim do mundo, é apenas o começo dele, mas vamos ver o que dá.
   O campeonato estava á duas semanas de eu ficar pulando e gritando “H-I-G-H-T-I-N-G VAI LÁ!” Chegada a hora de eu treinar foi muito difícil, eu não acompanhava elas, por quê me chamaram pra fazer parte? A resposta veio logo em seguida, sendo no outro dia o campeonato.
   -Oi Rosa! – Disse Gustavo sorrindo vindo do treino.
   -Oi...
   -Que cara é essa? Está com problemas? – Estão os amigos deles chamaram-no para treinar.
   -Pode ir, é o seu dia amanhã.
   -Eu não me importo com o treino, o que houve com você?
   -É este negócio de líder de torcida, eu não sirvo para isso!
   -Basta acreditar que você consegue!
   -Como assim?
   -Acredite em si mesma, você conseguirá realizar tudo perfeitamente e ainda irá torcer por mim.
   -Gustavo, eu não sou muito boa com torcida.
   -Não mesmo?
   -Não!
   -Então eu não vou para o treino e irei perder o campeonato.
   -Não! Vai lá Gustavo! Anda! Você tem um jogo para ganhar, por isso tem que treinar. Rápido, não quero que você perca. Anda! Rápido! Vai logo Gustavo! Você vai ganhar! – Isso tudo o empurrando para a equipe que o aguardava na frente da cantina.
   -Quer dizer que você não é boa com torcida e incentivos?
   Foi quando eu percebi que havia torcido e incentivado ele a juntar-se da equipe. Ele me abraçou e me deu um beijo, me desejando boa sorte em todos os aspectos. No dia do jogo tudo ocorreu bem, consegui fazer os saltos, torci pelo Gustavo, ele ganhou o campeonato e dedicou o troféu a mim.
   Mas este negócio de líder de torcida não é para mim, por isso sai das líderes e agora faço parte do time de futebol feminino, assim eu torço pelo Gustavo e ele torce por mim.

Pauta para Once Upon a Time, 36ª edição . Tema: "Basta acreditar que você consegue!".

quarta-feira, 17 de março de 2010

Gatos da noite

   Como eu queria acreditar quando ele me dizia que tudo ia ficar bem. A cada noite ele aparecia lá em casa, como um lindo gato preto ronronando e se entrelaçando entre as minhas pernas. Seu pêlo era macio e ele era o único gato que eu não tinha alergia. Quando ele voltava ao normal me enchia de beijos carinhosos, ele era quente, como um gato preto.
   - Não tenha medo, tudo vai terminar bem. – Foi o que ele me disse na noite em que me levou ao castelo.
   - O que você vai fazer?
   - O que você sempre sonhou.
   Tudo que eu estava sonhando naqueles últimos meses era poder pular nos muros e caminhar sobre o luar ao lado dele, como uma gata. Estava na hora disso acontecer depois de três anos de namoro.
   - Não se preocupe, não vai doer nada. – Mentira dele quando tudo começou a funcionar.
   Eu sentia o calor penetrando pelo meu corpo, toda a história da minha vida passou em minha mente, todos quem eu amava. Eu nunca havia sentido aquilo antes, a dor aumentava a cada instante, mas não estava arrependida, eu havia ficado, podemos dizer, gata.
   Em forma humana eu tinha olhos verdes e minha pupila era como a de gatos de rua, meus ossos pareciam estar mais fortes do que nunca, eu poderia saltar como uma gata. Minhas unhas estavam duras e rosadas, meus pés pareciam maiores e minhas mãos lisas; meu olfato, minha visão e minha audição estavam aguçados, eu podia ouvir os pingos da chuva caindo sobre o asfalto. Eu estava perfeita, me sentia perfeita, eu era uma gata da noite.
   Jason ensinou a transformar-me em gato, parecia fácil quando ele pulava do muro e virava humano e quando se jogava na árvore e subia como gato. Era difícil concentrar-me ouvindo tantas vozes, mesmo que estivessem tão longe de mim. Por várias vezes eu bati a cabeça na árvore, mas não doía e eu nem sangrava, eu continuava branca. Quando consegui foi mágico. Jason ficou me admirando como se nunca tivesse visto uma gata se transformando antes.
   - Como estou?
   - Uma gata! – E me mostrou um espelho.
   Eu estava cinza, olhos verdes, patas redondas e pretas, orelhas pretas e cauda misturada, um cinza-escuro.
   - Eu não tinha que ser preta?
   - Não necessariamente Lise. Eu sou preto, mas você como é fêmea deve ficar cinza-escuro; ou quando você comer vai ficar preta, mas assim esta linda. – E se transformou em um lindo gato preto com olhos grandes e castanhos, com uma imensa cauda com a ponta branca. No final de suas patas, de suas orelhas e seu focinho havia manchas brancas, que brilhavam a luz da lua.
   - Sabia que eu te amo?
   - Sim. – E ele me deu uma lambida em meu focinho cinza.
   Eu sabia que tinha muita coisa para aprender, mas ao lado de Jason tudo ia ser mais fácil, ele era um gato experiente, e eu era mais uma gata, a gata cinza-escura dele.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Tabelinha da sorte

   Há dias que nem nós mesmos sabemos o que estamos sentindo. Esse dia foi hoje, acordei com uma mistura meio louca. Estava me sentindo sortuda, muito sortuda.
   Já estava na sala quando recebi meu teste de matemática e de espanhol, havia tirado 10 e 9,7 respectivamente, dois pontos para a sorte! Quando tocou o sinal desci as escadas e fui andando em direção a minhas amigas, e quando notei, olha só, estava pisando em cima de uma nota de dois reais, três pontos para a sorte!
   Como de rotina fui para a minha casa depois da aula, tudo tranquilo, eu estava super feliz e coisa assim. Arrumei-me e minha mãe levou-me ao meu curso de inglês como todas as segundas e quartas, cheguei, cumprimentei todos e fui para a minha aula contente da vida.
   Não esperava que a sorte me acompanhasse, mas ela veio atrás, eu falei corretamente toda a lição que tivemos que repetir, o professor até disse que o meu sotaque era da ‘Hilary Clinton’, de americana mesmo, quatro pontos para a sorte! Mas sempre tem aquela pessoa invejosa da sua sala, e esse é o caso da Juliana; ela se acha a maioral e tudo mais, metida que só vendo porque é loira de olhos azuis e é a melhor da turma. Pois bem, hoje não foi o dia dela. Como eu estava falando tudo certo e ela errando tudo, a criatura deu um jeito de ficar conversando com o professor em inglês, pois além de ela estar com inveja de me ver acertar tudo, o professor falar que meu sotaque é totalmente americano e ele ainda perguntar para o IRMÃO dela se eu não sou maravilhosa eu ainda toco teclado e ela não.
   Pois bem, depois do show dela de ‘falando inglês com o professor por pura inveja da Fernanda’, o professor estava fazendo grupos para os jogos, só que havia mais meninos que meninas, então eu sugeri, na maior inocência:
   -Juliana, por que você não faz com os garotos? Você passa mais tempo com eles do que a gente. – Todos fecharam a cara.
   -Mas é verdade, você tem mais intimidade, conversa mais com eles. – Piorando as coisas.
   -Mas se você quiser não precisa, eu sei que você já passa muito tempo com eles. – Agora eu me ferrei total.
   Todos estavam olhando para mim como se eu estivesse falando alguma coisa inaceitável. Depois que o professor falou para a Juliana que era um mal entendido e coisa e tal eu fui entender o que eu havia feito. Eu acho que ela pensou que eu havia chamado ela de ‘piranha’ ou ‘prostituta’, mas não foi nada disso. No final das contas eu sei de uma coisa: eu fiz um milagre, uma coisa que nunca ninguém conseguiu fazer na vida, eu deixei a Juliana sem graça. Cinco pontos para a sorte!
   Depois do meu curso eu e uma colega fomos lanchar, então contei a ela sobre o um garoto que eu gosto, que se chama Felipe. Contei que ele é meu amigo há dois anos e meio, e que seria muito bom se eu me abrisse, ficasse com ele e até namorasse ele; então minha amiga disse que ia tentar falar com ele. Até comentei da sorte que estava tendo naquele dia, e que talvez eu encontrasse o Felipe na rua hoje. Então pensei: ‘é amor isso que estou sentindo?’. Eu mesma me respondi, sim. Seis pontos para a sorte!
   Saindo da lanchonete com a minha amiga, eu voltei para o curso, quando minha mãe me telefonou. Fui andando para a esquina onde ela sempre me pega e fiquei ali, esperando. Daqui a pouco ouço alguém chamar meu nome e olha só, era o Felipe e o Guilherme, não o Felipe de quem eu gosto, outro Felipe, da escola. Pensei: ‘que destino irônico, eu peço para encontrar o Felipe e ele me manda o da escola, da próxima vez vou especificar quem é. ’. Bem, ele não me mandou o Felipe que eu queria, mas acabou mandando um Felipe. Sete pontos para a sorte!
   O Guilherme foi um garoto que eu gostei e que me trocou por outra garota; e agora eu estava tendo a minha vingança; eu estava linda, de preto com as pernas de fora e o cabelo jogado, ele deve ter pensado em como não me quis aquela vez. Oito pontos para a sorte! Os dois estavam bobinhos para falar comigo quando minha mãe chegou.
   Já em casa entrei no computador e descobri um jogo muito difícil, Real World, joguei e em uma hora e meia zerei o jogo, passei os 45 níveis. Nove pontos para a sorte!
   Eu nunca havia me sentido tão sortuda, e isso é muito bom. Para aqueles que já sentiram não há nada igual, para os que não, continuem sorrindo para a vida que ela sempre te dá uma coisa de volta.

Pauta para Bloínques, 7ª edição musical. Tema: É amor isso que estou sentindo?

quarta-feira, 10 de março de 2010

Independente de tudo e de todos


          Meu filho querido,

   Para um dia você se lembrar que nada foi em vão, o carinho, a manha, a proteção. Para todos os dias você se levantar e com orgulho dizer que a sua independência foi conquistada com muito suor e dedicação. Esta é uma carta para quando você crescer, estiver pronto para lê-la e entendê-la, que nada foi além das minhas expectativas de ter um filho, apenas você superando o meu ar orgulhoso de mãe.
   Para o meu filho que hoje com completos sete anos, e que está lindo como nunca, em frente a janela onde o sol reflete em sua pele branca e faz seus olhos verdes ficarem muito claros, com seu cabelo preto e bagunçado ele vai pintando as folhas brancas com a sua própria casa e família.
   Você cresce tão rápido que eu nem noto, vou sofrer com a tua ausência, me desculpe por borrar esta carta com as minhas lágrimas de mãe, mas um dia você saberá como dói saber que falta pouco, pelo menos como o tempo passa para mim, para você seguir sua própria vida e ‘abandonar’ sua mãe aqui, na dor da ausência, mas necessária para o seu amadurecimento.
   Meu filho, quando ler esta carta eu não sei o que vai pensar, se estou sendo dramática, certa, errada, protetora, apenas entenda como um ‘adeus’ provisório até você vir visitar a sua mãe. Nada é para sempre meu filho, e espero que a tua ausência respeite esse ditado.
   Em qualquer circunstância eu irei te amar, até quando você conquistar a sua independência e sair de casa, com um sorriso no rosto e lágrimas nos olhos, pois sei que meias vão voar, livros vão se espalhar e a louça vai crescer, mas nada que a independência não faça para você se tornar o homem que eu sei que você vai ser: forte, inteligente, sincero e acima de tudo, independente de tudo e de todos, mas não se esqueça, dependa de mim quando estiver triste, solitário; pois acima de tudo o meu amor por você é maior que o mundo, e nada pode tirar isso de mim, nem a sua independência.

                                                                     Para Arthur.
                                                                     De Fernanda.

Pauta para Bloínques, 3ª edição opinativa. Tema: Independência.

terça-feira, 9 de março de 2010

Dois anos e meio

   Depois de dois anos e meio veio a coragem, finalmente tudo ia se resolver, desde então que eram melhores amigos nada havia mudado, várias namoradas da parte dele, vários namorados da sua parte e nunca ninguém falou nada, até ela tomar coragem e ter cara-de-pau suficiente para encarar a verdade.
   Enviou uma mensagem: “Precisamos conversar”.Ele respondeu: “Onde?”. E mais uma “Na praça”. O lugar onde eles se conheceram, foi em um dia de chuva, ela estava encharcada, não havia levado guarda-chuva e estava já espirrando, ele a viu e ofereceu o seu casaco e uma carona no guarda-chuva enorme e preto. Desde então são melhores amigos, dois anos e meio e a amizade continua acessa, do mesmo jeito do que antes, abraços, beijos, apertos, mas nunca ninguém se confessou.
   É chegada à hora que eles se encontram, Felipe esta ali no banco da praça esperando por Mariana.
   -Oi.
   -Oi. – Ela senta em seu lado.
   -Quer ver uma coisa muito legal?
   -Quero! – E puxou-a para o chão da praça, cheio de hexágonos.
   -Olhas as nuvens, aquela parece um carneiro, aquela uma girafa.
   -E aquela um coração. – Eles se olharam e Felipe colocou a mão na cabeça.
   -O que foi?
   -Felipe, eu resolvi finalmente, depois de dois anos e meio tomar coragem e te dizer, na maior cara-de-pau que eu amo a nossa amizade, mas eu quero ser mais que uma amiga, eu gosto muito de você; tudo o que passamos juntos, só me fez acreditar mais e mais nisto, eu nunca lhe disse, pois tinha medo de perder a nossa amizade, que é tão querida para nós, mas entenda, depois de dois anos e meio eu posso lhe dizer que ‘eu te amo’.
   Ele ficou em silêncio, cruzou os pés e colocou o seu braço livre em torno de Mariana, os mesmo braços fortes que ele tinha da natação. Ela cruzou os pés e esperou uma resposta dele.
   -Porque não me disse isso antes?
   -Eu tinha medo de perder você.
   -Você nunca ia me perder, você só perde o que não lhe convém, e eu lhe convenho muito. – Ela riu.
   -Sabe, eu adoro quando você ri igual a uma criança de quatro anos e levanta essas bochechas lindas e coradas, diminuindo os olhos para mim. Gosto quando você passa os seus dedos levemente pelo meu braço, me fazendo arrepiar. Eu amo quando você diz “Mas Felipe...” com aquela cara de cachorro chutado e eu cedo tudo para você. E agora não seria diferente, mas não pela sua cara de cachorro chutado, mas pelo meu coração apaixonado. Depois de dois anos e meio eu digo, ‘eu te amo também’. – E beijou-a com todo o fervor que podia haver.
   -Sabe, eu gosto do seu vestido verde-água, que tal você usá-lo amanhã para comemorar nosso primeiro dia de namoro?
   -Namoro?
   -É, ou você acha que eu vou esperar dois anos e meio para te pedir em namoro?
   -Bobinho, ‘eu te amo’. – E beijou-o novamente, fazendo sinal positivo para o pedido.


Pauta para Bloínques, 7ª edição visual. Tema: A imagem do texto.

domingo, 7 de março de 2010

Antecedentes defeituosos


   Queremos sentir como é errar,
   Queremos viver um erro de forma que ele se torne um defeito,
   Acertar é como uma qualidade,
   Mas do que vale uma qualidade sem uma fila de antecedentes defeituosos?

   Eu tenho um defeito, um defeito muito ruim,
   Eu até acho que esse defeito seja o pior de todos os defeitos do mundo,
   O meu defeito é achar que ele é uma qualidade,
   Mas o que sabemos sobre qualidade?

   Isso é muito bom; isso é ótimo; isso é fantástico,
   Minhas qualidades são maravilhosamente insuportáveis,
   Meus defeitos seguram um prédio a explodir,
   Onde as qualidades fazem uma festa na cobertura.

   Defeitos e qualidades, não sabemos o que são,
   Apenas meramente palavras desconhecidas com significado nem tão singulares,
   A facilidade que temos de nos comparar,
   Dizer que temos qualidades e defeitos melhores e piores.

   Eu quero poder dizer que o meu defeito é gostar de ter defeito,
   Eu quero poder dizer que a minha qualidade é reconhecer que tenho defeitos,
   Pois o que o ser humano mais procura é ser humano,
   E nada melhor do errar e acertar.

   O mundo gira sem parar,
   E estamos no mesmo lugar,
   Nada mudou desde quando nos conhecemos,
   Eu venho com defeito de fábrica tentando ser consertada,
   Acertando nas qualidades que eu vou conquistando com o tempo.

   “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”
      Clarice Lispector.


Pauta para Post It, edição 34. Tema: Defeitos e qulidades.