terça-feira, 29 de maio de 2012

Ouvidos cautelosos


Quando pássaros param pra falar
Escutar é sim o melhor remédio,
A melodia ecoa em todo lugar
E permanece o maldito mistério,

Repugnante mistério de ir e vir
O mistério de estar e não chegar
De todos os cantos vir a omitir
De todas as bocas vir a tapar,

Desproteja os seus dois ouvidos e olhos,
Pássaros são como a nossa gente,
Que naqueles poucos cantos mais solos
Deixam o mistério resplandecente.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Vagos alheamentos


        “Não sei por quantas vezes eu chorei por você estar longe, por não poder tocar a sua pele macia e chamar-te para a cama. Já perdi as contas quantas vezes eu me peguei chorando no banheiro, trancado, sufocando-me nas minhas lágrimas, para ver se morria logo. A sua ausência aos poucos me corrói, a saudade deixa um gosto amargo na minha boca, e eu já não posso viver sem você.
        Não sei se nestas viagens malucas suas, você encontrou alguém novo, para se distrair ou formar o que chamamos de família. Não sei se devo confiar na minha insegurança ou na minha insanidade, já que nenhuma delas me dá o equilíbrio que preciso. Eu preciso de você.
        É claro como a água o quanto eu te amo, mas você parece não corresponder quando está distante. Não sei quanto já gastei com selos, e se as cartas chegaram aos seus destinos, mas você nunca se importou em respondê-las, ou simplesmente escrever uma para mim, por livre e espontânea vontade. Isso me deixa triste, faz com que eu me sinta rejeitado.
        Ás vezes eu ando pela casa a noite pensando em você, em como cada canto tem uma lembrança, cada foto tem uma história. Lembro-me do dia em que nos conhecemos, foi tudo tão inesperado. Estava chovendo, meu cabelo mais molhado do que nunca, e eu já não enxergava mais a rua, apenas as luzes dos faróis dos carros. Você parou e me ofereceu uma carona, quem diria que eu me apaixonaria por você. Seus olhos, seu cabelo, sua boca, tudo me encantou neste perfeito encaixe da natureza.
        Aqui estou eu novamente com lágrimas nos olhos, não consigo me conter quando penso em você. Eu não consigo mais manter esta distância, eu preciso que você esteja comigo aqui, que não passe meses no exterior fazendo sabe lá o que. Eu preciso do seu corpo, da sua alma, do seu amor.
        Não sei se me arrependerei de escrever esta carta, mas eu estou indo. Estou deixando tudo para trás, assim como você fez comigo. Eu não posso mais suportar isto. Talvez você ache esta carta no meio da sua papelada, ou talvez no lixo, eu ainda não decidi onde pô-la.
        Eu te amo mais do que tudo, mas não posso pedir que venha atrás de mim, eu não tenho mais forças.
                                                                                
                                                                                                Saudades,
                                                                                                                      Craig.”

        E eu me fui, voltei para o meu apartamento e me tranquei lá, as lágrimas escorrendo, meu rosto vermelho. Eu o amava mais que tudo, e aquilo doía, aquilo me consumia. Uma ligação, duas ligações, três ligações. Era hoje que o Daniel voltava da viagem, eu não sabia se ele já havia lido a carta, ou se estava apenas me procurando. Quatro ligações. Tapei os ouvidos, gritei. Cinco ligações. Meu coração palpitava mais que nunca. O telefone parou e eu adormeci.
        Seis ligações. Acordei desesperado e atendi. O som da sua voz mudou tudo.
        - Craig? Craig? Você está aí? Eu estou indo...
        Desliguei o telefone, não aguentaria nem mais um minuto, nem um segundo longe dele. Desci as escadas e peguei um táxi. Sete ligações. Será que ele já havia chegado em casa? Mais meia hora no trânsito. Oito ligações, nove ligações. Ele chegou em casa.
        O elevador do edifício nunca demorou tanto para chegar ao quinto andar. Abri a porta do apartamento, os pés mal tocando o chão, cheguei perto da porta do escritório. O telefone vibrou no meu bolso. Dez ligações. Daniel com a carta em uma das mãos e o celular na outra. Ele pôs as duas mãos na cabeça e soltou um soluço alto, ele estava desabando.
        - Não, não, não! – Ele gritava com as mãos na cabeça.
        - Eu não sabia se você já tinha chegado.
        Ele me olhou, parecia estar com ódio de mim. Levantou-se da cadeira, caminhou ate a porta e parou. Encarou-me, jogou a cabeça em meu ombro, os braços em volta de mim e as lágrimas na minha camisa.
        - Nunca mais faça isso.
        - Eu não posso mais, eu não posso.
        - Não! Nunca existiu outro alguém, nunca. Eu te amo tanto, não faça isso. – Passou a mão no meu cabelo. – Eu saio, eu me demito, eu faço qualquer coisa.
        - Qualquer coisa?
        - Qualquer... – Ele me olhou com os olhos aflitos.
        - Beije-me.
        E a carta ficou no passado.


Pauta para Bloínquês, 118ª edição visual, tema: foto.

2° lugar aqui.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Tulipas do Túlio


         Dizem que o universo nos dá uma chance única para conhecermos de perto o que chamam de amor. Na minha história havia um trem, um horário, um atraso e uma perda irremediável. Aquela perda que ninguém quer experimentar, o chute no universo que nos faz desabar, a chance desperdiçada por erros banais, por erros meus.
         Não me lembro de nenhum instante da minha vida que não queria compartilhar com Túlio. Éramos amigos de infância, aquele tipo que se ama mais que tudo, que se protege e que confia. Não deveríamos ter confiado no tempo, ele nos separou com escolas, universidades e cidades diferentes. As mensagens por celular e os telefonemas não bastavam. A memória sumia com o tempo, a saudade era suprida por outras tarefas, outras pessoas.
         Ele me ligou, disse que sentia minha falta, disse que queria me ver. E com o coração palpitando eu mal conseguia responder ao seu pedido. O que não esperávamos é que o tempo se intrometesse novamente, que a mãe de Túlio morresse, que meus estudos decaíssem, que os minutos passassem mais rápido. Logo, o que era um pedido de dias, tornou-se um pedido de meses.
         Túlio me ligou, estava com a voz seca, o ar triste, a fala demorada. Não conseguia reproduzir as palavras. Eu falei por ele. Marquei outro encontro, em outra cidade, com novos ares para esquecer tudo o que havia acontecido nesses últimos meses.
         Lembro-me de ter corrido muito, de ter deixado a cama bagunçada e o café da manhã na geladeira. Lembro-me de ter tropeçado na esquina do trem, e não me importar com isso. Lembro-me de ter visto o trem indo embora, o único do dia, da minha vida. Lembro-me de ter chorado, de ter soluçado, e de ninguém ter perguntado se estava tudo bem.
         O trem passou, e levou junto minhas esperanças, meu amor, minha alma. Com ele ia todas as expectativas de encontrar Túlio, de acariciar o seu rosto agora com a barba crescida, de tocar suas mãos calejadas pelo piano, de beijar a sua boca para que não precisasse emitir mais nenhum som, nenhuma palavra sobre o passado.
         E ali eu fiquei, parada da estação de trem, imaginando Túlio me esperando em outra cidade, com um buquê de flores, ou apenas os seus longos braços para me abraçar. Não me mexi por um longo tempo, as lágrimas ainda caíam em meu rosto, e eu não parava de pensar na chance que havia perdido. Pelo simples motivo que Túlio viajaria para Paris no dia seguinte a trabalho, e só voltaria dentro de um ano. Paris estava muito longe para mim, e eu chorava por tê-lo perdido, novamente.
         E uma mão tocou o meu ombro, meus olhos se abriram com um pouco de dificuldade, e eu podia ver a figura de um homem alto segurando tulipas vermelhas.
         - Pensei que não te veria. – Ele disse em meio a um sorriso.
         Eu me joguei em seus braços, derrubei as tulipas e beijei os seus lábios. Uma sensação muito melhor da que eu imaginava. Ele estava ali, havia pegado o trem de volta para a minha cidade, sentiu-se incomodado quando não me viu no trem que chegou há horas no seu destino. Ele veio por mim e por toda a nossa história, que estava incompleta, mas que ressurgia com traços de ouro.
         - E Paris?
         - Acho que Paris pode esperar até amanhã à noite.
         E ele me beijou novamente, só viajaria no dia seguinte, e a minha casa seria a sua casa por esta noite. Quem sabe por muitas outras que ainda estão por vir. Paris não fica tão longe assim.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Um grito de morte não emite nenhum som



          E todos puderam ouvir o baque.
        Eu havia sonhado com precipícios e abismos, profundezas obscuras e monstros. Eram reais demais. Abri as cortinas do meu quarto, admirei a vista da rua: algumas árvores altas e bonitas, o cheiro de mata, as pessoas caminhando para o Jardim Botânico. Peguei minha câmera e um pedaço de bolo que estava sobre a mesa e desci as escadas lentamente, deixando o elevador de lado. Algo estava diferente.
        Fotos espalhadas pela rua, cada rosto era uma nova identidade, uma nova informação. Para um fotógrafo como eu nada passa despercebido, ou ao menos sem uma profunda análise introspectiva. O escritório não seguia muito bem, matérias fracas e pouca venda, mas eu sentia que as coisas mudariam. Estava cheio de ideias novas para apresentar ao Marcos, o editor-chefe.
        - Marcos! – Foi a primeira palavra que ouvi ao entrar no escritório. Folhas voando, pessoas correndo, mulheres chorando, homens brigando, uma confusão que eu não entendia.
        - O que aconteceu? Onde está o Marcos? – Perguntei assustado.
        - O Marcos chegou bem cedo e pregou aquele papel na parede, e depois foi embora. – Disse a secretária em meio ao choro.
        Aproximei-me da parede, onde o aviso dizia: “Antes de tudo, gostaria de agradecer por todos esses anos que passamos juntos, trabalhando e dando o nosso melhor nesta editora. Porém, há problemas que não podemos resolver. As dívidas, a venda baixa e o alto custo do escritório nos fizeram ir à falência. Sim, posso ter escondido isso de todos vocês por algum tempo, mas está claro que não há saída. Todos estão demitidos, inclusive eu. Desculpem-me por isso, mas eu fiz o possível e o impossível para continuarmos juntos.
Marcos André Tater”.
        Eu não acreditei de primeira, fiquei atônito, não sabia o que pensar. Eu havia sido demitido. Eu me sentia dentro do gigante abismo do meu sonho, sendo sufocado pelos monstros. Agarrei a minha câmera e corri para fora dali, fugi de mim e dos meus pensamentos. Desviei do meu caminho de casa e fui até o Corcovado, eu precisava fazer aquilo.
        Lá no alto, com aquela vista maravilhosa eu pensava comigo mesmo como resolver tudo aquilo. Tirava algumas fotos, escondia-me atrás da lente. Foi então que avistei Marcos André admirando a vista também.
        Há coisas que só uma lente pode registrar: os sentimentos exacerbados de um exato momento, as emoções de um olhar, os gestos minimalistas. Pela lente eu enxergava um mundo novo, não sabia o que fazer sem aquilo na minha vida. Encostei-me mais na sacada, apontei a câmera novamente para Marcos. Foi então, em questão de segundos que ele subiu e se jogou. Sem discurso, sem melancolias, sem desespero. Somente a sua vontade de parar de existir naquele momento.
        Corri até o seu lugar, olhei para baixo e fitei o seu corpo ensanguentado, todos puderam ouvir o baque. Revi as fotos que tirei, eu havia registrado os últimos momentos de Marcos, os momentos finais de angústia antes de um último adeus.
        - Mas o Rio continua lindo. – Falei em voz baixa enquanto tirava uma última foto.