sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A Indesejada das gentes


   Ela cerrou os olhos calmamente, então os abriu em um passo de espanto, isto se repetiu por várias vezes enquanto a sua cabeça estava sobre o peito da mãe. Os batimentos de grande coração acalmavam a pequena e enchiam os seus minúsculos ouvidos com uma sinfonia. A mãe estava ali, ela se sentia protegida e não queria que este momento acabasse, por mais que pressentisse algo ruim se aproximando. E ela estava certa.
   Foi triste quando no dia seguinte não se ouvia mais o grande coração da mão ecoando, apenas o choro soava o alarme. O pai abriu a porta e a viu chorando, enquanto a mãe, parecendo estar em sono profundo, jazia na cama com o braço tocando o chão. Ele havia chegado tarde de trabalho e não queria acordar as suas meninas, se ele tivesse acordado, poderia ter visto que uma delas estava morrendo, calmamente. “Não foi dolorosa”, pensou a pequena, “mas para todos nós está sendo”.
   Do outro lado do lago que embelezava a paisagem vista da grande janela branca, em uma outra janela via-se uma senhora idosa sentada em sua cadeira. Lia com os beija-flores, encantados com as begônias que coloriam o parapeito da janela, seus olhos passeavam pelas páginas, encobertos com óculos de leitura. Seus olhos eram azuis, da cor do lago, e em apenas alguns instantes eles já não estavam mais passeando pelas páginas amareladas do livro. Quem olhasse da janela, pensaria que havia adormecido durante a leitura.
   Ninguém chorou, sua família estava longe e a sua morte foi tranquila, pelo o que parece. Foi até bonita, visto que os beija-flores deixavam as begônias no instante do seu último suspiro. Não houve dor, lágrimas, suplícios ou remorso, ela estava sozinha e assim permaneceu.
   Na cidade grande, onde os carros não param e os vultos preenchem as calçadas, uma delas estava vermelha. Um círculo se formou e nada se viu, tudo parou por um momento. Estava estirado no chão um homem de meia-idade, cabelos pretos com fios grisalhos; pálido, sem expressão, com os olhos fechados. Um tiro o acertou na cabeça, vindo de longe, sem curso. Não se conhecia a sua identidade, mas não morreu sozinho. Todos os que estavam ali presenciaram a sua morte, um círculo de desespero. Não foi uma morte bonita ou tranquila, dolorosa ou solitária, foi uma morte horrível e pública.
   A morte é iniludível. Ela pode afetar apenas uma pessoa, uma família, uma multidão. Ela pode ser bonita ou trágica; pode se tornar um final perfeito para um filme e para os outros, ou pode machucar quando contada. O fim é belo e incerto, depende de como você vê. Mesmo que a morte seja certa, que chegue para todos, teimamos em acreditar que existe algo maior, e estamos certos. Essa é a verdade, que quando a Indesejada chegar, não temeremos, pois sabemos que um outro fim nos espera, um fim incerto e curioso.

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.

Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!

-Manuel Bandeira-

4 opiniões:

Ramona Bandeira disse...

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Anônimo disse...

Nossa! Que texto maravilhoso!
A norte descrita em várias instâncias, com vários pesos. Gostei muito.

- disse...

lindo demais o texto,
eu amei :D

Rodolpho Padovani disse...

Muito bom esse texto, várias formas de mostrar a morte, no final a tristeza da morte é para quem fica e não para quem vai, mas esse é o fim de todos nós, por isso devemos aproveitar ao máximo a vida que temos.
Gostei mesmo.

Bjs e desculpa meu sumiço por aqui, ando numa coreria...

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