Dizem que o universo nos dá uma chance única para
conhecermos de perto o que chamam de amor. Na minha história havia um trem, um
horário, um atraso e uma perda irremediável. Aquela perda que ninguém quer
experimentar, o chute no universo que nos faz desabar, a chance desperdiçada
por erros banais, por erros meus.
Não me lembro
de nenhum instante da minha vida que não queria compartilhar com Túlio. Éramos amigos
de infância, aquele tipo que se ama mais que tudo, que se protege e que confia.
Não deveríamos ter confiado no tempo, ele nos separou com escolas, universidades
e cidades diferentes. As mensagens por celular e os telefonemas não bastavam. A
memória sumia com o tempo, a saudade era suprida por outras tarefas, outras
pessoas.
Ele me
ligou, disse que sentia minha falta, disse que queria me ver. E com o coração
palpitando eu mal conseguia responder ao seu pedido. O que não esperávamos é
que o tempo se intrometesse novamente, que a mãe de Túlio morresse, que meus
estudos decaíssem, que os minutos passassem mais rápido. Logo, o que era um
pedido de dias, tornou-se um pedido de meses.
Túlio
me ligou, estava com a voz seca, o ar triste, a fala demorada. Não conseguia
reproduzir as palavras. Eu falei por ele. Marquei outro encontro, em outra
cidade, com novos ares para esquecer tudo o que havia acontecido nesses últimos
meses.
Lembro-me
de ter corrido muito, de ter deixado a cama bagunçada e o café da manhã na
geladeira. Lembro-me de ter tropeçado na esquina do trem, e não me importar com
isso. Lembro-me de ter visto o trem indo embora, o único do dia, da minha vida.
Lembro-me de ter chorado, de ter soluçado, e de ninguém ter perguntado se
estava tudo bem.
O trem
passou, e levou junto minhas esperanças, meu amor, minha alma. Com ele ia todas
as expectativas de encontrar Túlio, de acariciar o seu rosto agora com a barba
crescida, de tocar suas mãos calejadas pelo piano, de beijar a sua boca para
que não precisasse emitir mais nenhum som, nenhuma palavra sobre o passado.
E ali
eu fiquei, parada da estação de trem, imaginando Túlio me esperando em outra
cidade, com um buquê de flores, ou apenas os seus longos braços para me
abraçar. Não me mexi por um longo tempo, as lágrimas ainda caíam em meu rosto,
e eu não parava de pensar na chance que havia perdido. Pelo simples motivo que
Túlio viajaria para Paris no dia seguinte a trabalho, e só voltaria dentro de
um ano. Paris estava muito longe para mim, e eu chorava por tê-lo perdido,
novamente.
E uma
mão tocou o meu ombro, meus olhos se abriram com um pouco de dificuldade, e eu
podia ver a figura de um homem alto segurando tulipas vermelhas.
-
Pensei que não te veria. – Ele disse em meio a um sorriso.
Eu me
joguei em seus braços, derrubei as tulipas e beijei os seus lábios. Uma sensação
muito melhor da que eu imaginava. Ele estava ali, havia pegado o trem de volta
para a minha cidade, sentiu-se incomodado quando não me viu no trem que chegou
há horas no seu destino. Ele veio por mim e por toda a nossa história, que
estava incompleta, mas que ressurgia com traços de ouro.
- E
Paris?
- Acho
que Paris pode esperar até amanhã à noite.
E ele
me beijou novamente, só viajaria no dia seguinte, e a minha casa seria a sua
casa por esta noite. Quem sabe por muitas outras que ainda estão por vir. Paris
não fica tão longe assim.
1 opiniões:
Que texto lindo!
Vontade de morar perto de uma estação de trem para ouvir o seu apito.
Não seja um leitor silencioso. Comente!