terça-feira, 22 de maio de 2012

Vagos alheamentos


        “Não sei por quantas vezes eu chorei por você estar longe, por não poder tocar a sua pele macia e chamar-te para a cama. Já perdi as contas quantas vezes eu me peguei chorando no banheiro, trancado, sufocando-me nas minhas lágrimas, para ver se morria logo. A sua ausência aos poucos me corrói, a saudade deixa um gosto amargo na minha boca, e eu já não posso viver sem você.
        Não sei se nestas viagens malucas suas, você encontrou alguém novo, para se distrair ou formar o que chamamos de família. Não sei se devo confiar na minha insegurança ou na minha insanidade, já que nenhuma delas me dá o equilíbrio que preciso. Eu preciso de você.
        É claro como a água o quanto eu te amo, mas você parece não corresponder quando está distante. Não sei quanto já gastei com selos, e se as cartas chegaram aos seus destinos, mas você nunca se importou em respondê-las, ou simplesmente escrever uma para mim, por livre e espontânea vontade. Isso me deixa triste, faz com que eu me sinta rejeitado.
        Ás vezes eu ando pela casa a noite pensando em você, em como cada canto tem uma lembrança, cada foto tem uma história. Lembro-me do dia em que nos conhecemos, foi tudo tão inesperado. Estava chovendo, meu cabelo mais molhado do que nunca, e eu já não enxergava mais a rua, apenas as luzes dos faróis dos carros. Você parou e me ofereceu uma carona, quem diria que eu me apaixonaria por você. Seus olhos, seu cabelo, sua boca, tudo me encantou neste perfeito encaixe da natureza.
        Aqui estou eu novamente com lágrimas nos olhos, não consigo me conter quando penso em você. Eu não consigo mais manter esta distância, eu preciso que você esteja comigo aqui, que não passe meses no exterior fazendo sabe lá o que. Eu preciso do seu corpo, da sua alma, do seu amor.
        Não sei se me arrependerei de escrever esta carta, mas eu estou indo. Estou deixando tudo para trás, assim como você fez comigo. Eu não posso mais suportar isto. Talvez você ache esta carta no meio da sua papelada, ou talvez no lixo, eu ainda não decidi onde pô-la.
        Eu te amo mais do que tudo, mas não posso pedir que venha atrás de mim, eu não tenho mais forças.
                                                                                
                                                                                                Saudades,
                                                                                                                      Craig.”

        E eu me fui, voltei para o meu apartamento e me tranquei lá, as lágrimas escorrendo, meu rosto vermelho. Eu o amava mais que tudo, e aquilo doía, aquilo me consumia. Uma ligação, duas ligações, três ligações. Era hoje que o Daniel voltava da viagem, eu não sabia se ele já havia lido a carta, ou se estava apenas me procurando. Quatro ligações. Tapei os ouvidos, gritei. Cinco ligações. Meu coração palpitava mais que nunca. O telefone parou e eu adormeci.
        Seis ligações. Acordei desesperado e atendi. O som da sua voz mudou tudo.
        - Craig? Craig? Você está aí? Eu estou indo...
        Desliguei o telefone, não aguentaria nem mais um minuto, nem um segundo longe dele. Desci as escadas e peguei um táxi. Sete ligações. Será que ele já havia chegado em casa? Mais meia hora no trânsito. Oito ligações, nove ligações. Ele chegou em casa.
        O elevador do edifício nunca demorou tanto para chegar ao quinto andar. Abri a porta do apartamento, os pés mal tocando o chão, cheguei perto da porta do escritório. O telefone vibrou no meu bolso. Dez ligações. Daniel com a carta em uma das mãos e o celular na outra. Ele pôs as duas mãos na cabeça e soltou um soluço alto, ele estava desabando.
        - Não, não, não! – Ele gritava com as mãos na cabeça.
        - Eu não sabia se você já tinha chegado.
        Ele me olhou, parecia estar com ódio de mim. Levantou-se da cadeira, caminhou ate a porta e parou. Encarou-me, jogou a cabeça em meu ombro, os braços em volta de mim e as lágrimas na minha camisa.
        - Nunca mais faça isso.
        - Eu não posso mais, eu não posso.
        - Não! Nunca existiu outro alguém, nunca. Eu te amo tanto, não faça isso. – Passou a mão no meu cabelo. – Eu saio, eu me demito, eu faço qualquer coisa.
        - Qualquer coisa?
        - Qualquer... – Ele me olhou com os olhos aflitos.
        - Beije-me.
        E a carta ficou no passado.


Pauta para Bloínquês, 118ª edição visual, tema: foto.

2° lugar aqui.

1 opiniões:

chica disse...

Linda, profunda tua participação!Gostei muito! beijos,chica

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