terça-feira, 1 de maio de 2012

Um grito de morte não emite nenhum som



          E todos puderam ouvir o baque.
        Eu havia sonhado com precipícios e abismos, profundezas obscuras e monstros. Eram reais demais. Abri as cortinas do meu quarto, admirei a vista da rua: algumas árvores altas e bonitas, o cheiro de mata, as pessoas caminhando para o Jardim Botânico. Peguei minha câmera e um pedaço de bolo que estava sobre a mesa e desci as escadas lentamente, deixando o elevador de lado. Algo estava diferente.
        Fotos espalhadas pela rua, cada rosto era uma nova identidade, uma nova informação. Para um fotógrafo como eu nada passa despercebido, ou ao menos sem uma profunda análise introspectiva. O escritório não seguia muito bem, matérias fracas e pouca venda, mas eu sentia que as coisas mudariam. Estava cheio de ideias novas para apresentar ao Marcos, o editor-chefe.
        - Marcos! – Foi a primeira palavra que ouvi ao entrar no escritório. Folhas voando, pessoas correndo, mulheres chorando, homens brigando, uma confusão que eu não entendia.
        - O que aconteceu? Onde está o Marcos? – Perguntei assustado.
        - O Marcos chegou bem cedo e pregou aquele papel na parede, e depois foi embora. – Disse a secretária em meio ao choro.
        Aproximei-me da parede, onde o aviso dizia: “Antes de tudo, gostaria de agradecer por todos esses anos que passamos juntos, trabalhando e dando o nosso melhor nesta editora. Porém, há problemas que não podemos resolver. As dívidas, a venda baixa e o alto custo do escritório nos fizeram ir à falência. Sim, posso ter escondido isso de todos vocês por algum tempo, mas está claro que não há saída. Todos estão demitidos, inclusive eu. Desculpem-me por isso, mas eu fiz o possível e o impossível para continuarmos juntos.
Marcos André Tater”.
        Eu não acreditei de primeira, fiquei atônito, não sabia o que pensar. Eu havia sido demitido. Eu me sentia dentro do gigante abismo do meu sonho, sendo sufocado pelos monstros. Agarrei a minha câmera e corri para fora dali, fugi de mim e dos meus pensamentos. Desviei do meu caminho de casa e fui até o Corcovado, eu precisava fazer aquilo.
        Lá no alto, com aquela vista maravilhosa eu pensava comigo mesmo como resolver tudo aquilo. Tirava algumas fotos, escondia-me atrás da lente. Foi então que avistei Marcos André admirando a vista também.
        Há coisas que só uma lente pode registrar: os sentimentos exacerbados de um exato momento, as emoções de um olhar, os gestos minimalistas. Pela lente eu enxergava um mundo novo, não sabia o que fazer sem aquilo na minha vida. Encostei-me mais na sacada, apontei a câmera novamente para Marcos. Foi então, em questão de segundos que ele subiu e se jogou. Sem discurso, sem melancolias, sem desespero. Somente a sua vontade de parar de existir naquele momento.
        Corri até o seu lugar, olhei para baixo e fitei o seu corpo ensanguentado, todos puderam ouvir o baque. Revi as fotos que tirei, eu havia registrado os últimos momentos de Marcos, os momentos finais de angústia antes de um último adeus.
        - Mas o Rio continua lindo. – Falei em voz baixa enquanto tirava uma última foto.

5 opiniões:

Ana Carolina disse...

Olá Fernanda! O seu texto está incrível, mas venho aqui para fazer uma crítica construtiva (espero eu). Não sei se criei expectativas demais, mas esperava mais do final do seu texto. Acho que a história foi muito bem elaborada, mas o final não se encaixou. Depois de presenciar uma morte, acho que o final deveria ser outro e não uma última foto. Não sou adepta de finais previsíveis, pelo contrário, não gosto, porém, esse final não teve coesão (na minha opinião).

Fiquei na dúvida entre escrever ou não, mas optei por expor minha opinião, porque prefiro que me digam que algo que escrevi não está bom do que não me falem sobre isso.

Espero que tenha ajudado.

Ana Carolina,
http://realezacontemporanea.blogspot.com.br/

Fernanda Pessanha disse...

Olá Ana, eu até concordo com você, e me desculpe por isso. Tive que escrever esta redação para a escola com apenas uma página, um CRIME TOTAL, repressão de criatividade, mas tudo bem, vamos entender a professora de português. Sério que você achou meio previsível? Será que você poderia me dar algumas ideias? Estou aceitando-as com muita gentileza.

Maria disse...

Quando, ontem, li o titulo (não pude lê-lo ontem, por isso li-o hoje.), não o imaginei assim. Gostei muito, muito do texto. Sério. Super bem escrito, sem o clichê habitual... adorei. ^^

beijo ♥

Ana Carolina disse...

Fernanda, eu por aqui de novo. :)
Sei como são os textos com limites de linha, realmente a pessoa se dobra e dosdobra para escrever algo no limite desejado. Eu, particularmente, não gosto de quando estimam linhas para um texto.

Eu acho que não me expressei direito. Na frase "Não sou adepta de finais previsíveis, pelo contrário, não gosto" eu estava justificando o meu gênero por finais de estórias. Mas eu não quis dizer que o final do seu texto foi previsível, eu achei ele imprevisível (do tipo que eu gosto), mas sem um final adequado.

Então, como eu falei, eu adorei o seu texto, ele está bem emocional. Acho que se o texto acabasse nessa frase "momentos finais de angústia antes de um último adeus.", estaria perfeito! Só não gostei daquela última frase, sobre o Rio.

Ana Carolina,
http://realezacontemporanea.blogspot.com.br/

Fernanda Pessanha disse...

A sim! O tema da redação era "Mas o Rio continua lindo, pensa o desempregado ao pular do Corcovado". Sim, faz muito sentido o que você disse. Estou lisonjeada por você ter parado aqui e escrito tudo isso, muio obrigada.

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