domingo, 25 de março de 2012

Suplícios divinos


            
            Nunca pensei em como morreria, se seria de velhice, de amor ou de amargura. Esperava ser uma morte rápida, não uma morte estúpida. Eu corria pelo jardim, livre. As gotas geladas do chafariz caíam sobre mim, sobre o meu vestido carmim, e eu não me importava. Eles estavam fazendo a coisa mais horrível comigo, obrigar-me-iam a me casar com um maluco, com um insano, com alguém que eu não amava. Aquele era o meu único e último momento livre, antes deles me amarrarem a um marido amargo. Nunca pensei que morreria pelas mãos de um padre, pelas mãos de um casamento.
            Nita me olhava pela janela, ela sentia mais ódio de mim do que o próprio demônio, e tudo aquilo era diversão para ela. Santa prima que achavam ser assim, mas era um tormento, um estorvo, uma maldição caída sobre mim, para punir-me de pecados que nunca cometi.
            O dia da minha condenação, o dia do meu casamento. Pela fresta da cortina avistava Sir. Herman com toda a longitude, vestido com o seu paletó francês, desembarcado na noite passada. Os convidados esperando, todos em seus lugares, e as cortinas me protegendo de um pesadelo. Apenas Oliver parecia se importar, procurava-me por entre as pessoas, estava aflito. Fechei os meus olhos e pedi por um milagre, o único que já havia requisitado. Oliver surgiu por trás de mim, abraçou-me, com seu cheiro inebriante e seus cabelos ruivos, acolheu-me nos seus braços quentes, e eu já não me sentia tão perdida.
            - Oliver...
            - Lílian, você tem que ir, já estão preocupados.
            - Oliver, eu não posso.
            - Quem dera eu pudesse te tirar daqui...
            Eu o olhei, pude ver a sua alma clamando por isso, pude ver a minha alma desesperada nos seus olhos. Corri para fora da igreja, o vestido branco arrastando no chão, Oliver paralisado na porta e uma grande ponte à minha frente. Não pensei muito, pulei. Senti o corpo pesado, alguém me puxando, trazendo-me à vida.
            Meus olhos se abriram, estávamos na rua de pedras, ao lado da ponte, todos vestidos a rigor. Ainda era o dia do meu casamento, e eu não tinha morrido. Triste peça o destino havia pregado em mim, nem a morte me queria por perto. Sir. Herman me olhava estaticamente, Oliver mexia nos meus cabelos e seus olhos estavam aflitos.
            - Eu estou grávida!
            Coragem. Coragem foi a palavra que melhor definiu o que eu senti. Minha mãe teve uma recaída, meu pai um ataque, e Nita só me olhava, aplaudindo o teatro.
            - Não creio que Sir. Herman se aproximou de minha pequena filha! – Meu pai já se atracava com o meu noivo.
            - Estou grávida do Oliver.
            E todos me encararam. Oliver nunca tinha nem me beijado, eu era virgem de corpo e alma, mas precisava mentir. Ele me pegou no colo e confirmou a história.
            - Eu a levarei comigo.
            - De maneira alguma. – Meu pai gritava.
            - Ela precisa descansar, precisa respirar, falaremos disso mais tarde.
            E ele me carregou até a sua casa, não fomos seguidos ou coisa parecida. Meus pais já não me queriam mais perto, havia estragado os planos de ser rica com Sir. Herman. Oliver me pôs na cama.
            - Por quê? – Ele questionou.
            E eu o beijei. Ele me abraçou forte, enquanto eu o prendia. Os corpos se fundiam, e a sensação de nada era tomada por um calor. A sua mão afogava-se no meu cabelo negro despenteado, o beijo se tornava poesia. Os lábios não se separavam, as mãos prendiam-se aos corpos, a saliva era só uma, o sabor de fruta madura perdurava, e eu tremulava contra ele enquanto tudo se adocicava.
 Eles descobririam aquela mentira em poucos dias, mas eu e Oliver já estávamos longe, muito longe de nossa pequena vila. Resolvemos seguir estrada à fora, esquecer o passado e viver o futuro.
Nunca pensei em como morreria, se seria de velhice, de amor ou de amargura, mas tinha certeza que seria com Oliver ao meu lado.

Pauta para Bloínquês, 111° edição conto/história. Tema: frase em negrito.

2 opiniões:

L.C.S disse...

Linda história!

Ana Carolina disse...

O conto está lindo, criativo, perfeito! Foi muito bem formulado.

Parabéns!

Ana Carolina;
http://realezacontemporanea.blogspot.com.br/

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