- Pare já de caraminholas, Alberta.
Há muito mais no que se pensar. Álgebra, física, literatura. Minha velha amiga
literatura. Deveria ler alguns livros que estão no escritório.
- Eu não posso entrar lá.
- E por que não, ora?
- O senhor não deixa.
- Proíbo minha própria sobrinha de
entrar em meus aposentos? Claro, havia me esquecido do pequeno fato que não
passas de uma criança, o que faria em um escritório?
- Viveria um pouco de literatura?
- Viver? Literatura? Não! Literatura
não é uma coisa que se viva, você apenas lê e absorve. Não como uma esponja,
isso seria burrice de sua parte, mas você mantem as frases na sua mente. Apenas
as boas, as que condizem com a nossa sociedade. Como se livros que revelam o
futuro ou que aceitam coisas que ninguém mais aceita fosse lidos.
-
E como nós mudamos?
- Mudar? Que história é essa?
- Como as pessoas mudam? Como a
física muda? Isso não se registra?
- Números mudam equações, não
pessoas. O mundo é hoje como sempre foi, não são os livros que criam as
imaginações, o humano diz o que é bom e ruim.
- Regras?
- Sim, há muitas delas para serem
seguidas. Por exemplo, nunca entre no meu escritório. Você não entenderia, os
livros que estão lá são de suma importância para mim, eles dizem tudo o que
você precisa saber.
- Quais livros o senhor tem?
- Oh, economia, biologia, evolução
humana. São respostas.
- A evolução humana não é uma
mudança?
- Sim.
- Então, por que está registrada? As
coisas não deveriam ser como sempre foram? Nós evoluímos? Não estamos do mesmo
jeito de sempre?
- Pare já de caraminholas, Alberta.
Nós mudamos porque fomos obrigados pela natureza.
- A física é natureza?
- Bem, física... Física é física!
- A física é uma equação?
- Por que seria?
- O senhor disse que números mudam
equações.
- Certo.
- Já sei! Os números são a natureza,
as equações somos nós e a física é um mero acaso da nossa imaginação?
- Não existe imaginação, Alberta!
Existe o certo e o errado, o exato sempre!
- E as mudanças, tio?
- Alberta, as mudanças são feitas de
duas formas: pela obrigação da natureza ou pela exatidão da certeza. Se você
tiver muita certeza de tal mudança, e que isso não comprometerá a sociedade,
talvez a mudança seja feita.
- A mudança é planejada?
- Sim.
- Como nós mudamos?
- Pelo planejamento.
- Sinto um pleonasmo nesta
explicação.
- Não ouse julgar minhas
explicações, Alberta!
- O senhor mesmo disse que números
mudam equações, que nós não mudamos, mas que a mudança é planejada, e que nós
mudamos pelo planejamento. Não está uma confusão este raciocínio?
- Números mudam equações, mudam
certezas.
- Se elas são tão certas, tão
exatas, estamos mudando de forma errada?
- Nós não mudamos!
- E o tal planejamento?
- Somos obrigados.
- Por quem?
- Pela sociedade.
- Não seria ela que decide o melhor
em conjunto?
- Sim.
- Então?
- Não. Pare já de caraminholas,
Alberta!
- O senhor é capaz de mudar uma
ideia?
- Sim.
- E por que não as pessoas, o mundo?
As pessoas mudam o seu jeito de pensar, suas certezas. O mundo pode ser feito
de números e equações, mas nem todas estão resolvidas. A mudança pode ser
planejada, mas nunca sabemos o que ela acarretará no futuro. Livros não dizem o
futuro, mostram uma realidade distorcida. A literatura se vive, é uma válvula
de escape desta sociedade que o senhor diz ser tão certa e tão errada. Não
existem certezas absolutas, existe a mudança.
- Deveria eu queimar todos os livros
do meu escritório?
- Não.
- E por que não?
- Eles trazem certas ideias, o
senhor precisa de novas.
- E mudar minha concepção do
exterior?
- Sim.
- Isto é possível?
- Suponho que sim, o senhor não
mudou com a nossa conversa?
- Talvez, bem, eu evoluí um pouco.
Se é que posso dizer isso. Oh, uma mudança. E eu que nunca acreditei nisso,
defendi a sociedade enquanto guardava rancor dela no meu peito. Quantas
caraminholas tenho na cabeça agora!
- Posso entrar no escritório?
- Não. Se eu mudar neste ponto você
perderá a sua mudança. Deixe que aprenda sem os meus livros, você precisa de
mais válvulas.
- E se eu me jogar?
- Jogar de onde, Alberta?
- Do telhado?
- Você não morreria?
- Isso mudaria algo em você, tio?
- Muitas mudanças para um dia só.
Não basta querer mudar o mundo, quer mudar também o seu tio. Reverei as minhas
concepções longe do escritório. Menina esquisita com os seus pensamentos soltos.
Juntaram tanta coisa na minha mente. Bem, talvez seja cedo demais. Mudanças,
mudanças. Por toda parte existem mudanças.
-
Tio?
- Pare já de caraminholas, Alberta!
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