domingo, 23 de setembro de 2012

Caraminholas na cabeça



 - E se eu me jogar?
            - Pare já de caraminholas, Alberta. Há muito mais no que se pensar. Álgebra, física, literatura. Minha velha amiga literatura. Deveria ler alguns livros que estão no escritório.
            - Eu não posso entrar lá.
            - E por que não, ora?
            - O senhor não deixa.
            - Proíbo minha própria sobrinha de entrar em meus aposentos? Claro, havia me esquecido do pequeno fato que não passas de uma criança, o que faria em um escritório?
            - Viveria um pouco de literatura?
            - Viver? Literatura? Não! Literatura não é uma coisa que se viva, você apenas lê e absorve. Não como uma esponja, isso seria burrice de sua parte, mas você mantem as frases na sua mente. Apenas as boas, as que condizem com a nossa sociedade. Como se livros que revelam o futuro ou que aceitam coisas que ninguém mais aceita fosse lidos.
            - E como nós mudamos?
            - Mudar? Que história é essa?
            - Como as pessoas mudam? Como a física muda? Isso não se registra?
            - Números mudam equações, não pessoas. O mundo é hoje como sempre foi, não são os livros que criam as imaginações, o humano diz o que é bom e ruim.
            - Regras?
            - Sim, há muitas delas para serem seguidas. Por exemplo, nunca entre no meu escritório. Você não entenderia, os livros que estão lá são de suma importância para mim, eles dizem tudo o que você precisa saber.
            - Quais livros o senhor tem?
            - Oh, economia, biologia, evolução humana. São respostas.
            - A evolução humana não é uma mudança?
            - Sim.
        - Então, por que está registrada? As coisas não deveriam ser como sempre foram? Nós evoluímos? Não estamos do mesmo jeito de sempre?
            - Pare já de caraminholas, Alberta. Nós mudamos porque fomos obrigados pela natureza.
            - A física é natureza?
            - Bem, física... Física é física!
            - A física é uma equação?
            - Por que seria?
            - O senhor disse que números mudam equações.
            - Certo.
            - Já sei! Os números são a natureza, as equações somos nós e a física é um mero acaso da nossa imaginação?
            - Não existe imaginação, Alberta! Existe o certo e o errado, o exato sempre!
            - E as mudanças, tio?
            - Alberta, as mudanças são feitas de duas formas: pela obrigação da natureza ou pela exatidão da certeza. Se você tiver muita certeza de tal mudança, e que isso não comprometerá a sociedade, talvez a mudança seja feita.
             - A mudança é planejada?
            - Sim.
            - Como nós mudamos?
            - Pelo planejamento.
            - Sinto um pleonasmo nesta explicação.
            - Não ouse julgar minhas explicações, Alberta!
            - O senhor mesmo disse que números mudam equações, que nós não mudamos, mas que a mudança é planejada, e que nós mudamos pelo planejamento. Não está uma confusão este raciocínio?
            - Números mudam equações, mudam certezas.
            - Se elas são tão certas, tão exatas, estamos mudando de forma errada?
            - Nós não mudamos!
            - E o tal planejamento?
            - Somos obrigados.
            - Por quem?
            - Pela sociedade.
            - Não seria ela que decide o melhor em conjunto?
            - Sim.
            - Então?
            - Não. Pare já de caraminholas, Alberta!
            - O senhor é capaz de mudar uma ideia?
            - Sim.
            - E por que não as pessoas, o mundo? As pessoas mudam o seu jeito de pensar, suas certezas. O mundo pode ser feito de números e equações, mas nem todas estão resolvidas. A mudança pode ser planejada, mas nunca sabemos o que ela acarretará no futuro. Livros não dizem o futuro, mostram uma realidade distorcida. A literatura se vive, é uma válvula de escape desta sociedade que o senhor diz ser tão certa e tão errada. Não existem certezas absolutas, existe a mudança.
            - Deveria eu queimar todos os livros do meu escritório?
            - Não.
            - E por que não?
            - Eles trazem certas ideias, o senhor precisa de novas.
            - E mudar minha concepção do exterior?
            - Sim.
            - Isto é possível?
            - Suponho que sim, o senhor não mudou com a nossa conversa?
            - Talvez, bem, eu evoluí um pouco. Se é que posso dizer isso. Oh, uma mudança. E eu que nunca acreditei nisso, defendi a sociedade enquanto guardava rancor dela no meu peito. Quantas caraminholas tenho na cabeça agora!
            - Posso entrar no escritório?
            - Não. Se eu mudar neste ponto você perderá a sua mudança. Deixe que aprenda sem os meus livros, você precisa de mais válvulas.
            - E se eu me jogar?
            - Jogar de onde, Alberta?
            - Do telhado?
            - Você não morreria?
            - Isso mudaria algo em você, tio?
            - Muitas mudanças para um dia só. Não basta querer mudar o mundo, quer mudar também o seu tio. Reverei as minhas concepções longe do escritório. Menina esquisita com os seus pensamentos soltos. Juntaram tanta coisa na minha mente. Bem, talvez seja cedo demais. Mudanças, mudanças. Por toda parte existem mudanças.
- Tio?
            - Pare já de caraminholas, Alberta!

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