quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Como a chuva que cai

   Eu tenho medo de tocar o telefone, ligar e saber como vão as coisas. Eu tenho medo de me ferir novamente, igual da última vez que falei com ele; tudo não passava de ilusão e as ligações eram a única verdade que se foi.
   Eu não o conhecia, mas ele me conhecia, o telefone era a única linha de ligação entre nós, passávamos muito tempo conversando, perdendo os minutos que eu poderia estar tendo uma relação saudável, não com um cara pelo telefone.
   A última vez que me ligou foi na semana retrasada, desde então eu não recebo mais notícias, passo parte do meu dia esperando ele me ligar e com a sua voz doce dizer que voltou, pois é a única coisa que me faz sentir calma e feliz. Estou agoniada com toda esta situação, porquê ele não me liga?
   Desde a última ligação eu não paro de pensar nas palavras dele antes de desligar o telefone: “Tudo não passou de ilusão, apenas as ligações eram reais, só que eu preciso de algo mais real do que sua voz”. Minha voz; era apenas o que ele tinha e eu tinha a sua, além da certeza e confiança que ela me trazia; a cada palavra eu me sentia mais eu mesma.
   Eu não saio mais de casa, me camuflo na escola, os dias chovem sem parar e eu não sei o que está acontecendo no mundo. Há alguma forma disso tudo acabar? Ele me ligava tanto e agora, o que restou foi o telefone gasto de palavras ditas que não servem de nada se ele não está aqui para organizá-las.
   Eu sei que não foi certo me relacionar por telefone, mas era o único jeito de eu me sentir confortável. Talvez ele me ligue amanhã, eu tenho que saber o que acontece fora do meu quarto. O problema foi esse, sair. Como o céu estava cinza liguei a TV, mas minha mente se concentrava no telefone até ouvir uma voz diferente, era ele, o garoto que eu tanto falava.
   Lágrimas saíram de meus olhos quando soube que era mais um bandido que tentava sequestrar garotas e pedir fortunas de resgate, conquistando-as pelo telefone. Eu era uma das vítimas e passei meses de minha vida conversando com ele sem saber de nada, eu estava com ódio. Abri a porta de casa e fui para a chuva, fina e gelada, o parquinho molhado e a grama fresca, eu estava viva novamente; eu estava completa.
   O telefone se foi com as palavras ditas, mas minha alma voltou ao seu lugar, onde ela sempre deveria estar, pois nada nos pertence, como a chuva, ela cai do céu e escoa pela terra, fazendo as árvores crescerem e as flores brotaram, volta aos rios e depois a ser chuva, para refazer todo o ciclo da vida, e eu estava parada no tempo, sem ação. Como a chuva eu continuei o meu ciclo, e hoje sou discreta e fina, mas muito importante para fazer a vida continuar.

Pauta para Bloínquês, edição 5 visual. Tema: A imagem que está no texto.

1 opiniões:

Ana Beatriz Caldas disse...

Poxa, que texto LINDO! A imagem, as palavras, a história, o tema... amei, tá na minha lista de favoritos de certeza =)

Fora que essa história tem muito a ver com uma situação que estou vivendo, tentando passar do virtual/telefone/fds pra uma coisa que realmente valha a pena... Enfim.
Adorei a proposta do Bloínquês. Acho que vou tentar participar!
beijos, e se torne uma escritora famosa ;D

http://pleasetakeasit.blogspot.com

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